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quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Informativo 548 STF - 21 a 25 de novembro de 2016

PLENÁRIO

Federalismo fiscal e omissão legislativa
O Plenário iniciou o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade por omissão ajuizada em face de alegada omissão legislativa, por parte do Congresso Nacional, no tocante à edição da lei complementar prevista no art. 91 do ADCT, incluído pela EC 42/2003 (“Art. 91. A União entregará aos Estados e ao Distrito Federal o montante definido em lei complementar, de acordo com critérios, prazos e condições nela determinados, podendo considerar as exportações para o exterior de produtos primários e semi-elaborados, a relação entre as exportações e as importações, os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, “a”).

O ministro Gilmar Mendes (relator) julgou o pedido procedente. Declarou que há mora por parte do Congresso Nacional em editar a aludida lei complementar e estabeleceu o limite de doze meses para que a omissão seja sanada.

Ressaltou que, na hipótese de o mencionado prazo transcorrer “in albis”, caberá ao Tribunal de Contas da União (TCU): a) fixar o valor total a ser repassado aos Estados-Membros e ao Distrito Federal, considerando os critérios dispostos no art. 91 do ADCT para fixação do montante a ser transferido anualmente relativo às exportações de produtos primários e semielaborados, à relação entre as exportações e as importações, aos créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e à efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, “a”, da CF; e b) calcular o valor das quotas a que cada ente terá direito, considerando os entendimentos entre os Estados-Membros e o Distrito Federal realizados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Considerou atendidos os requisitos da legitimidade ativa e da pertinência temática. Nos termos da jurisprudência da Corte, é necessário haver pertinência entre o objeto da ação e a defesa do interesse em causa. No caso dos governadores, a legitimidade está condicionada à repercussão do ato normativo impugnado nas atividades de interesse dos Estados-Membros, como na hipótese em debate.

No mérito, entendeu que o tema envolve autonomia financeira e partilha de recursos tributários. Embora o texto original da Constituição tivesse promovido esforços para descentralizar as receitas, a União, por meio das contribuições (cuja receita não é compartilhada com os demais entes), conseguiu reverter o quadro de partilha, concentrando em seu poder a maior parte dos recursos tributários arrecadados. A partir do Plano Real, houve incremento da participação das receitas de contribuições no total de receitas correntes da União, sem o respectivo incremento na participação das receitas tributárias. Assim, se, por um lado, o constituinte desenhou um quadro fiscal fortemente descentralizado quanto aos impostos, por outro, deixou nas mãos da União, livres de qualquer partilha de arrecadação, outra espécie tributária: as contribuições, especialmente as sociais.

Nesse contexto, a edição da EC 42/2003 traduziu um esforço de desoneração de exportações, com impacto nas finanças estaduais. Por consequência, acabou por elevar ao plano constitucional tanto a tentativa de desoneração da LC 87/1996 quanto a obrigatoriedade de repasses mensais a cargo da União. Além disso, as exportações brasileiras foram completamente removidas do campo de incidência do ICMS. Criou-se, portanto, uma imunidade constitucional, em prejuízo de uma fonte de receita pública estadual.

Se, por um lado, a modificação prestigia e incentiva as exportações, em prol de toda a Federação, por outro, a nova regra traz consequências severas sobretudo para quem se dedica à exportação de produtos primários. Por isso, para compensar a perda de arrecadação imposta pela EC 42/2003, estabeleceu-se, no art. 91 do ADCT, uma fórmula de transferência constitucional obrigatória da União em favor dos Estados-Membros e do Distrito Federal. Esse mecanismo, em tese, poderia representar importante instrumento de federalismo cooperativo, de sorte a atenuar os impactos financeiros decorrentes da desoneração promovida pela EC 42/2003 nas contas estaduais. Entretanto, a lei complementar prevista no art. 91 do ADCT nunca foi editada e, até hoje, a regra do § 3º desse dispositivo continua sendo aplicada.

O relator assinalou, também, que existe um dever constitucional de legislar, previsto no art. 91 do ADCT, e uma omissão legislativa que perdura por mais de dez anos. Isso traz consequências econômicas relevantes, especialmente em relação a determinados Estados-Membros.

Além disso, embora falte a lei complementar exigida pela Constituição, a legislação em vigor traz critérios provisórios para os repasses. Isso, entretanto, não basta para afastar a omissão em debate. Ao contrário, o sentido de provisoriedade do § 2º do art. 91 do ADCT só confirma a lacuna legislativa e não tem o condão de convalidá-la. Está, portanto, configurado o estado de inconstitucionalidade por omissão, em razão de mora do Poder legislativo.

O relator considerou necessário, ainda, adotar solução no sentido de, decorrido “in albis” o prazo de doze meses estipulado para que o Legislativo saneie a omissão, caber ao TCU, enquanto não sobrevier lei complementar, a competência para definir anualmente o montante a ser transferido, na forma do art. 91 do ADCT, considerando os critérios ali dispostos. Quanto à repartição entre os diversos entes federados, propôs que fosse feita nas condições estabelecidas pelo Confaz, de modo que a distribuição de recursos considere o ICMS desonerado nas exportações de produtos primários e semielaborados e os créditos de ICMS decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente.

Por fim, explicou que o TCU é a instituição mais adequada para cumprir temporariamente essa incumbência (CF, art. 161, parágrafo único). Ademais, é o órgão escolhido pelo legislador para o cálculo da participação de cada Estado-Membro ou do Distrito Federal na repartição da receita tributária a que se refere o art. 159, II, da CF. Caberá, assim, aos Estados-Membros e ao Distrito Federal proceder na forma do § 4º do art. 91 do ADCT, de modo a apresentar à União, nos termos das instruções baixadas pelo Ministério da Fazenda, as informações relativas ao imposto de que trata o art. 155, II, da CF, declaradas pelos contribuintes que realizarem operações ou prestações com destino ao exterior, a fim de subsidiar o TCU na fixação do montante a ser transferido, bem como das quotas a que terão direito os entes federados. Advindo a lei complementar, cessa a competência da Corte de Contas, conferida de forma precária e excepcional.

O ministro Marco Aurélio, por sua vez, acompanhou o relator em parte, para somente assentar a mora do Legislativo na matéria. Não assinalou prazo para a edição de lei complementar, cabível apenas na hipótese de autoridade administrativa (CF, art. 103, § 2º). Além disso, reputou que o TCU não pode substituir o Congresso Nacional, omisso quanto à edição da norma.

O ministro Teori Zavascki acompanhou o relator quanto à mora e à fixação de prazo para sanar a omissão. Entretanto, ressaltou a impossibilidade de substituir a norma provisória do art. 91 do ADCT por outra também precária, criada pelo STF e executada pelo TCU. Se, eventualmente, o Legislativo extrapolasse o prazo de doze meses, aí sim caberia ao STF deliberar a respeito.

Após os votos dos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli, que acompanharam o relator, o julgamento foi suspenso.



SEGUNDA TURMA

Repasse de duodécimos e frustração na realização da receita orçamentária
A Segunda Turma deferiu parcialmente medida liminar em mandado de segurança impetrado contra ato omissivo. No caso, houve atraso no repasse dos recursos correspondentes às dotações orçamentárias destinadas ao Poder Judiciário do Rio de Janeiro.

O Colegiado assegurou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) o direito de receber, até o dia vinte de cada mês, em duodécimos, os recursos correspondentes às dotações orçamentárias. Facultou ao Poder Executivo proceder ao desconto uniforme de 19,6% da receita corrente líquida prevista na lei orçamentária em sua própria receita e na dos demais Poderes e órgãos autônomos, ressalvada, além da possibilidade de eventual compensação futura, a revisão desse provimento cautelar caso não se demonstre o decesso na arrecadação nem no percentual projetado de 19,6% em dezembro/2016.

Na espécie, o impetrante alegava que o art. 168 da Constituição Federal (CF) estabelece o dever de repasse, pelo Poder Executivo, dos recursos financeiros previstos em lei orçamentária regularmente aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro — no caso, a Lei Orçamentária Anual estadual 7.210/2016 (LOA) — ao Poder Judiciário, obrigatoriamente, em duodécimos, até o vigésimo dia de cada mês. Entendia que a omissão do Poder Executivo caracterizaria violação do postulado da separação de Poderes, em razão de indevida interferência do governador do Estado na autonomia administrativa e financeira do TJRJ. Requeria, dessa forma, a concessão da medida liminar pleiteada, para garantir o repasse integral de seu duodécimo orçamentário até o vigésimo dia de cada mês, nos termos do previsto no mencionado dispositivo constitucional.

A autoridade impetrada, ao prestar informações, postulava a incidência dos Enunciados 269 e 271 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), para obstar o conhecimento da presente ação mandamental quanto ao pedido de repasse da parcela relativa ao mês de outubro até o dia vinte desse mesmo mês. Sustentava, ainda, que o descumprimento da data prevista no art. 168 da Constituição Federal, para o repasse das dotações orçamentárias em duodécimos, não configuraria ofensa à autonomia financeira do Poder Judiciário (CF, art. 99), pois não decorreria de resistência injustificada do Poder Executivo, mas de frustração na realização do orçamento do Estado. Defendia não haver impedimento legal para utilização de recursos do Fundo Especial do Tribunal de Justiça (FETJ) para pagamento de despesas de pessoal e custeio do TJRJ.

Prevaleceu o voto do ministro Dias Toffoli (relator). Para ele, a competência originária relativamente ao conhecimento do “writ” é do STF, porque todos os magistrados vinculados ao TJRJ possuem interesse econômico no julgamento do feito (CF, art. 102, I, “n”). Consignou, ademais, que o TJRJ, embora destituído de personalidade jurídica, detém legitimidade autônoma para ajuizar o presente mandado de segurança em defesa de sua autonomia institucional, estando, no caso, regularmente representado por advogado não vinculado aos quadros da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, em razão da natureza do direito pleiteado, nos termos da jurisprudência do STF. Entendeu, ainda, que as Súmulas 269 e 271 da Suprema Corte não incidem na espécie.

Quanto ao mérito, ao reconhecer a complexidade da controvérsia, consignou que a resolução do litígio demanda diálogo entre Poderes e órgãos autônomos. Assim, é possível alcançar solução conciliatória para o quadro fático revelado pelas dificuldades declaradas pelo Estado do Rio de Janeiro em suas finanças, agravadas pela queda da arrecadação prevista para o orçamento de 2016. Além disso, o julgamento da medida cautelar não afasta a possibilidade de posterior audiência de conciliação entre as partes.

No tocante à alegação do Estado-Membro de que não há impedimento legal para a utilização de recursos do FETJ para pagamento de salários dos servidores e magistrados, o relator ponderou ser inviável sua utilização para tal fim e para o custeio do TJRJ, nos termos do disposto no art. 2º da Lei estadual 2.524/1996 (“É vedada a aplicação da receita do Fundo Especial em despesas de pessoal”). Destacou, também, que a receita do FETJ origina-se, predominantemente, do pagamento de custas pelas partes que demandam no TJRJ e não são beneficiárias de gratuidade de Justiça, cuja destinação é exclusiva para custeio dos serviços afetos às atividades específicas do Poder Judiciário (CF, art. 98, § 2º). O relator afastou, em juízo liminar, a pretensão do Estado-Membro de compensar os duodécimos faltantes da receita orçamentária do TJRJ prevista para o exercício de 2016 com recursos do FETJ.

Assentou que o direito prescrito no art. 168 da CF instrumentaliza o postulado da separação de Poderes, impedindo a sujeição dos demais Poderes e órgãos autônomos da República a arbítrios e ilegalidades perpetradas no âmbito do Executivo.

Ponderou que a Corte, ao conceder medida liminar em caso semelhante (MS 31.671/RN, DJe de 30.10.2012), passou a avaliar a necessidade de se adequar a previsão orçamentária à receita efetivamente arrecadada, para fins de definição do direito ao repasse dos duodécimos aos demais Poderes e órgãos autônomos, sob o risco de se chegar a um impasse na execução orçamentária.

Pontuou, ainda, que a lei orçamentária, no momento de sua elaboração, declara uma expectativa do montante a ser realizado a título de receita, que pode ou não vir a acontecer no exercício financeiro de referência, sendo o Poder Executivo responsável por proceder à arrecadação, conforme a política pública se desenvolva. Por essa razão, a Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF) instituiu o dever de cada um dos Poderes, por ato próprio, proceder aos ajustes necessários, com limitação da despesa, ante a frustração de receitas (art. 9º da LRF). Diante disso, o ministro ressaltou que, conforme debates travados no julgamento de mérito do MS 31.671/RN (suspenso em razão de pedido de vista), no âmbito federal, os contingenciamentos de receita e empenho operam em ambiente de diálogo entre o Poder Executivo — que sinaliza o montante de frustração da receita — e os demais Poderes e órgãos autônomos da República. No exercício da autonomia administrativa, tais instituições devem promover os cortes necessários em suas despesas, para adequarem as metas fiscais de sua responsabilidade aos limites constitucionais e legais autorizados e conforme a conveniência e a oportunidade.

Reconheceu, no entanto, que esse ambiente de diálogo pode encontrar dificuldades no caso de algum Poder ou órgão autônomo se recusar a realizar essa autolimitação. Isso ocorreria em razão da suspensão, por força de cautelar proferida no julgamento da ADI 2.238/DF (DJe de 17.8.2007), da eficácia do § 3º do art. 9º da LRF, que prescreve a possibilidade de o Poder Executivo, por ato unilateral, estipular medida de austeridade nas esferas dos demais Poderes e órgãos autônomos. O que informa o julgamento da medida cautelar deferida nos autos da ADI 2.238/DF, no ponto, é a impossibilidade de se legitimar a atuação do Poder Executivo como julgador e executor de sua própria decisão.

Segundo o relator, a Corte, ao deferir medida liminar no MS 31.671/RN, não pretendeu legitimar a atuação unilateral do Poder Executivo na constrição de recurso financeiro repassado ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN). Aliás, no caso do citado precedente, o contingenciamento foi admitido mediante decisão judicial, ressalvada a possibilidade de eventual compensação futura.

Diante do déficit orçamentário, estimado em 19,6%, o Estado do Rio de Janeiro promulgou a Lei 7.483/2016, na qual reconheceu o estado de calamidade financeira declarado pelo Decreto 45.692/2016, bem como citou os esforços empreendidos pelo TJRJ, a fim de demonstrar seu compromisso com o alcance da regularidade fiscal e com a desoneração dos cofres públicos. Entendeu, contudo, que as medidas adotadas pelo TJRJ não se confundem com as de autolimitação previstas no art. 9º, “caput”, da LRF, no sentido de se limitarem as despesas previstas, para fins de adequação ao percentual da receita efetivamente arrecadada no exercício financeiro de 2016.

Assentou, por fim, a inviabilidade de avaliação, em sede de mandado de segurança, da regularidade dos atos de governo e gestão praticados no Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro. Tais ações podem e devem ser submetidas a julgamento pelos órgãos competentes, não sendo a exigência de repasse integral dos duodécimos o meio adequado para se proceder à sanção de eventual ilegalidade, pois, nesse contexto, o real prejudicado acaba por ser o cidadão. Com razão, entretanto, a justificativa do TJRJ de que não se pode legitimar o cronograma orçamentário fixado pelo Executivo, em desrespeito ao art. 168 da CF. Afinal, retira a previsibilidade da disponibilização de recursos aos demais Poderes, subtraindo-lhes condições de gerir suas próprias finanças, considerada a frustração de receita, conforme sua conveniência e oportunidade.

Entendeu que o repasse duodecimal deve ocorrer até o dia vinte de cada mês, nos termos do disposto no art. 168 da CF, de modo a garantir o autogoverno do Poder Judiciário — que não se sujeita à programação financeira e ao fluxo de arrecadação do Poder Executivo —, tendo em vista ser o repasse uma ordem de distribuição prioritária de satisfação de dotação orçamentária (MS 21.450/MT, DJU de 5.6.1992). 

O ministro Teori Zavascki acompanhou o relator. Asseverou que, em momentos de grave crise econômica, como os que vivem praticamente todos os Estados da Federação, devem ser asseguradas a autonomia e a igualdade entre os Poderes. Consignou que não faz sentido, em uma situação de acentuado déficit orçamentário — em que a realização do orçamento é muito inferior ao previsto —, que um determinado Poder ou órgão autônomo tenha seu duodécimo calculado com base em previsão de receita não realizada, em detrimento da participação de outros órgãos e Poderes. Concluiu que a base de cálculo dos duodécimos deve observar, além da participação percentual proporcional, o valor real de efetivo desempenho orçamentário e não o valor fictício previsto na lei orçamentária.

Para o ministro Ricardo Lewandowski, que também acompanhou o relator, havendo frustração de receita, o ônus deve ser compartilhado de forma isonômica entre todos os Poderes.


Fonte: STF





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