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segunda-feira, 3 de junho de 2013

Revista Consulex: O Constructivismo Lógico-Semântico Reviravolta no Estudo do Direito

Revista Consulex
Aurora Tomazini de Carvalho
O Constructivismo Lógico-Semântico
Reviravolta no Estudo do Direito

Aurora Tomazini de Carvalho é Advogada, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET e em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, Mestra em Direito Tributário e Doutora em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Pesquisadora do IBET. Professora dos Cursos de Especialização em Direito Tributário da PUC-SP/COGEAE, IBET, FAAP e EPD,Coordenadora do Curso de Extensão em Planejamento Tributário do IBET e Professora da Universidade Estadual de Londrina – UEL. Autora da obra “Curso de Teoria Geral do Direito – O Constructivismo Lógico-Semântico”, publicado pela Editora Noeses, já na terceira edição.

1- O que é o Constructivismo Lógico-Semântico? Em que sentido se emprega o termo constructivismo? E os adjetivos “lógico-semântico”?

R: A expressão “Constructivismo Lógico-Semântico” éempregada em dois sentidos: (i) para se reportar à Escola Epistemológica doDireito da qual sou adepta, fundada nas lições dos professores PAULO DE BARROSCARVALHO e LOURIVAL VILANOVA e que vem, a cada dia, ganhando mais e maisseguidores no âmbito jurídico; (ii) e ao método utilizado por esta Escola, quepode ser empregado no conhecimento de qualquer objeto.

Aproposta metodológica da Escola do Constructivismo Lógico-Semântico é estudar odireito dentro de uma concepção epistemológica bem demarcada, a Filosofia da Linguagem(uma das vertentes da Filosofia do Conhecimento) e a partir deste referencial,amarrar lógica e semanticamente suas proposições, para construção de seu objeto(que se constitui em uma das infinitas possibilidades de se enxergar odireito).

Por isso, o nome: Constructivismo Lógico-Semântico – “Constructivismo”,porque o sujeito cognoscente não descreve seu objeto, o constrói mentalmente em nome de uma descrição. E assim o faz, amparado num forte referencial metodológico, que justifica e fundamenta todas as proposições construídas,desde que estas estejam estruturalmente e significativamente amarradas a tais referências, o que justifica o “Lógico-Semântico” do nome. O cientista constrói seu objeto (como a realidade que sua teoria descreve) a partir da ordenação lógica-semântica de conceitos.

2- Qual a importância da delimitação do referencial filosófico para o conhecimento científico? E do constructivismo como método?

R: Se quisermos conhecer cientificamente o direito (ou qualquer outra realidade), temos primeiro que compreender como se dá o conhecimento e como atribuímos a característica de cientificidade a este conhecimento. Respostas que só encontramos na Filosofia.Por isso, a importância de se trabalhar com um referencial filosófico determinado,pautado em postulados da Epistemologia (Filosofia do conhecimento científico) e mais ainda, de saber identificar tal referencial e suas consequências para o conhecimento do objeto.

Há várias teorias sobre o conhecimento, sobre a forma como justificamos e atribuímos credibilidade a tal conhecimento para que o objeto conhecido se torne uma realidade (verdadeira) para nós. A forma como concebemos o conhecimento muda totalmente o modo como construímos este objeto e como lidamos com sua construção. Muitas teorias se voltam para infinitos objetos,constituindo infinitas realidades, mas são poucas que se preocupam em identificar o referencial epistemológico e as premissas com as quais trabalham.

No direito, por exemplo, as teorias de hermenêutica jurídica tradicionais são todas pautadas no referencial da filosofia da consciência e em razão disso,trabalham com a existência de um sentido próprio dos textos positivados a ser revelado pelo intérprete do direito, já a hermenêutica jurídica moderna,pautada no referencial filosófico do giro-linguístico, não acredita num sentido próprio a ser extraído pelo intérprete do texto, mas num sentido construído, de acordo com os referenciais e com o contexto que ele vivencia. E qual das duas estão corretas? Certamente há uma concepção que me agrada mais, a qual vou seguir. E porque me agrada mais? Porque foram construídas dentro do referencial filosófico com o qual trabalho (ainda que intuitivamente – sem mesmo saber que o adoto – porque esta é a forma eleita pelo meu intelecto para conhecer as coisas). 

Ter esta base filosófica garante maior credibilidade às construções científicas,que são elaboradas em alicerces sólidos. De modo que, uma teoria sem referencial filosófico não se sustenta. E uma teoria, cujo referencial filosófico e as premissas nas quais se fundam a construção do objeto, não se encontram evidenciadas, não convence.

A evidência da adoção de um referencial filosófico e a demonstração das premissas eleitas para construção do objeto, além de serem fundamentais para a credibilidade da teoria é, também, um ato de humildade para com o leitor. Uma série de conclusões jogadas ao léu, por mais que tenham sido construídas com propósitos sérios, reclamam o conhecimento do modelo por aquele que entra em contato com a teoria. 

Quando não conhecemos o modelo de referência, as proposições conclusivas de uma teoria(que constituem seu objeto) ficam sem fundamento, parecendo que saíram de lugar algum. Sem fundamentos sólidos, não há credibilidade, paira a dúvida do leitor ao atribuir o valor de verdade às proposições formuladas: “mas será que nesse referencial que o autor disse isso? Porque em outro suas conclusões deveriam ser outras”. E assim, a teoria perde sua principal função: a de ser informativa quanto ao seu objeto, gerando a impressão de uma perda de tempo àqueles que se propõem a estudá-la. É o famoso: “disse, disse, mas não disse nada” – muito comum no direito.

Neste sentido, a importância do Constructivismo como método. A estruturação lógica e semântica de conceitos e a possibilidade do regresso às bases premissiológicas que fundamentam tal construção garantem a coerência e credibilidade do discurso constitutivo do objeto (realidade “descrita” pela teoria), o que é essencial a qualquer conhecimento científico, pois esta é a forma mediante a qual nosso intelecto transforma os juízos cognoscitivos numa realidade “verdadeira” para nós, mediante um processo que chamamos de racionalização (ou raciocínio).

Poder,também, visualizar na teoria todas as etapas da construção de seu objeto e não só as conclusões que o constitui é um ato de generosidade. O Constructivismo viabiliza esta franqueza cognitiva ao compartilhar com o leitor e seus adeptos a construção de seu objeto desde o início.

3- Como o Constructivismo vê o direito?

R: Adotamos uma posição normativista do direito,considerando-o como o complexo de normas jurídicas válidas num dado país. Este é o primeiro corte metodológico para demarcação do nosso objeto de estudos: há“direito” onde houver normas jurídicas.

Seguindo,contudo, a concepção filosófica por nós adotada (giro-linguístico), não podemos deixar de considerar as normas jurídicas como uma manifestação linguística, sendo este nosso segundo corte metodológico: onde houver normas jurídicas haverá sempre uma linguagem (no caso do “direito” brasileiro, uma linguagem manifesta, necessariamente, na forma escrita).

Enquanto linguagem, o direito é produzido pelo homem para alcançar determinados fins:disciplinar condutas intersubjetivas. Isto implica reconhecê-lo como produto cultural, e aqui fixamos nosso terceiro corte metodológico: o “direito” é um instrumento, constituído pelo homem com a finalidade de regular condutas intersubjetivas, canalizando-as em direção a certos valores que a sociedade seja ver realizados. Encontra-se, na região ôntica dos objetos culturais e,portanto, impregnados de valores.

Uma imediata conseqüência deste recorte metodológico é a diferença entre enunciado prescritivo e norma jurídica. O enunciado (sinônimo de frase) pertence ao plano de expressão do direito, a forma mediante a qual ele se manifesta para nós, masa norma jurídica é uma construção do intérprete, é um juízo construído em sua mente e, portanto, sempre condicionada aos referencias do intérprete e ao contexto que ele vivencia.

Oprimeiro contato do operador do direito, no percurso de construção do sentido dos textos jurídicos é com o campo da literalidade textual, dado físico,formado por enunciados prescritivos, um conjunto estruturado de letras,palavras, frases, períodos e parágrafos graficamente manifestados nos documentos produzidos pelos órgãos de criação do direito. É seu plano de expressão, único dado que lhe é objetivo (igual para todos), base material para a construção das significações jurídicas.

Isolada a base física dos textos que pretende compreender, com a leitura dos enunciados prescritivos que os compõem, o intérprete ingressa no plano dos conteúdos e assim o faz na medida em que vai atribuindo valores aos símbolos positivados pelo legislador. Neste momento ele sai do plano da literalidade e o “direito”passa a existir não mais no papel (fisicamente), e sim na sua cabeça, na forma de juízos. Neste momento aparecem as normas jurídicas, como significações estruturadas na forma hipotético-condicional (H®C), construídas na mente do intérprete, mediante a atribuição de valores aos enunciados prescritivos (suporte físico do direito positivo) e, portanto, sempre condicionadas a seus referenciais culturais.

Há uma dificuldade, própria das mudanças de paradigmas, em conceber a norma jurídica (e conseqüentemente o direito) como uma construção do intérprete(significação), justamente pela subjetividade que lhe é atribuída por esta visão. Mas, dentro da concepção filosófica à qual nos filiamos (filosofia da linguagem), não conseguimos compreender de outro modo, mesmo porque, a pragmática jurídica só vem corroborar com nosso posicionamento. Se o direito(conjunto de normas jurídicas) fosse algo certo e determinado (significação unívoca) contido nos textos positivados (suporte físico – dado material), não haveria divergências doutrinárias, nem jurisprudenciais. O juiz simplesmente extrairia o conteúdo do texto e o aplicaria ao caso concreto, numa operação mecânica. 

Mas basta entrarmos em contato com o direito para percebermos como uma única palavra é capaz de dar ensejo a discrepantes construções de sentido, cada qual consoante a valoração que o sujeito interpretante atribui aos termos empregados pelo legislador. Se a norma jurídica estivesse no plano material dos textos positivados e pudesse ser simplesmente extraída, sem estar condicionada aos referencias do intérprete, não haveria tantas discussões sobre o conteúdo normativo.

4- O constructivismo é também referido como “método hermenêutico-analítico”. Quais as técnicas que estão por trás dessa denominação?

R: Nosso trato com o direito revela uma tomada de posição hermenêutico-analítica. Tomamos o direito como um corpo de linguagem e, neste sentido, o método analítico mostra-se eficiente para o seu conhecimento. Analisar é decompor a linguagem jurídica. Mas como decompor a linguagem do direito? Para isso, utilizamos como técnica as Ciências da Linguagem (que nos dizem como uma linguagem pode ser analisada). Amparados na Semiótica, por exemplo, realizamos a decomposição do discurso jurídico, para estudá-lo minuciosamente em seus âmbitos sintático (estrutural), semântico(significativo) e pragmático (prático – de aplicação). Com o auxílio da Lógica alcançamos a estrutura da linguagem jurídica, verificamos as amarrações dos conceitos e decompomos o processo de aplicação. E, assim, construímos a unicidade do objeto por meio de seu detalhamento.

Mas,por outro lado, quando lidamos com os valores imersos na linguagem jurídica e com os fins que a permeiam, o método analítico não é suficiente. Pressupomos então a hermenêutica. Com ela entramos em contato com as variações de sentido dos textos positivados e com os referenciais culturais que os informam. Neste momento, a Teoria dos Valores e da Decisão são de fundamental relevância como técnica para implementação do método, elas nos permitem identificar as circunstâncias culturais e ideológicas dos sentidos atribuídos ao texto positivado.

5-Podemos entender o Constructivismo Lógico-Semântico como Teoria Geraldo Direito ou Filosofia do Direito?

R:Por Teoria Geral do Direito entende-se o conjunto de proposições científicas-descritivas que tomam como objeto categorias que se repetem e permanecem lineares em todos os segmentos do direito. Dado sua complexidade, para melhor compreender a realidade jurídica, o cientista pode retalhá-la em diversos segmentos, tendo em conta um fator comum, aprofundando sua análise em cada um deles. Deste modo, formam-se os denominados ramos da Ciência do Direito (ex: Direito Constitucional,Trabalhista, Administrativo, Tributário, Penal, Civil, Processual, Ambiental,etc.), como ocorre na Medicina (ex: Cardiologia, Urologia, Dermatologia,Pediatria, etc.), na Física (ex: Mecânica, Termologia, Ondulatória, Atômica,etc.) e em todas as demais Ciências. Cada um destes ramos consubstancia-se num recorte metodológico sobre a linguagem jurídica, efetuado com o objetivo de reduzir suas complexidades, para aumentar a especificidade cognoscitiva sobre o direito como um todo. Temos, assim, a formação das Ciências Específicas do Direito. De outro lado, também com o objetivo de reduzir sua complexidade, o cientista pode abstrair da linguagem jurídica um núcleo de conceitos que permanecem lineares e atravessam universalmente todos os subdomínios do objeto(ex: norma jurídica, fato jurídico, relação jurídica, validade, vigência,eficácia, fontes, sistema jurídico, etc.), adquirindo, em cada um deles, apenas um quantum de especificidade (ex:norma jurídica constitucional, penal, tributária, etc.). São os denominados,conceitos fundamentais, responsáveis pela uniformidade da linguagem-objeto em todos os seus segmentos. Com a eleição destes pontos de intersecção, temos a generalização e, com ela, a formação de uma Teoria Geral do Direito.

A Filosofia do Direito constitui-se numa linguagem mais elaborada que a científica, é um conjunto de proposições que expressam reflexões e meditações sobre o direito.

Como expusemos na resposta da primeira pergunta, a expressão Constructivismo Lógico-Semântico pode designar tanto um método, como um modelo de se enxergar o direito. E dentro deste modelo podemos trabalhar temas que se repetem em todos os segmentos jurídicos para elaborar uma Teoria Geraldo Direito nos moldes do Constructivismo Lógico-Semântico (o que fiz no livro Curso de Teoria Geral do Direito – o Constructivismo Lógico-Semântico), ou então fazer um estudo crítico-reflexivo sobre questões epistemológicas,ontológicas e axiológicas do direito também dentro deste modelo. Uma coisa, no entanto, não se confunde com outra.

Trabalhamos com temas filosóficos na fixação do modelo Constructivismo Lógico-Semântico. Assim, há Filosofia do Direito no Constructivismo e a preocupação constante de nos mantermos fiéis a estes referencias filosóficos. O Constructivismo, no entanto, não é Filosofia do Direito, é um modo de se enxergar o direito, mas há Filosofia do Direito neste modo, bem como há abordagem de temas de Teoria Geral do Direito, como o próprio conceito de norma jurídica, a função da hermenêutica jurídica, a delimitação do conceito de direito, etc.

6- A História do Direito, a Sociologia do Direito e a Antropologia doDireito servem ao Constructivismo?

R: Dizer que há “direito” onde houver normas jurídicas válidas importa, desde logo, afastar do campo de interesse da Dogmática Jurídica o “direito” passado (normas jurídicas não mais válidas) e o “direito” futuro (normas jurídicas ainda não válidas). É claro que sendo a norma jurídica uma construção do intérprete, ela está condicionada por seus referencias e contexto, isto é pela História, pelos acontecimentos sociais, políticos, econômicos e por todos os outros que fizeram parte de sua vida e informam seus horizontes culturais. Da mesma forma, a produção dos enunciados jurídicos que compõem o plano de expressão, base física do direito,também foram produzidos dentro de um contexto cultural, em razão de certas circunstâncias históricas, políticas, econômicas e sociais. Desta forma, não há como desvincular o direito de conceitos sociais: históricos, econômicos,políticos, antropológicos, mesmo porque ele existe para regular condutas intersubjetivas, incide sobre a realidade social. Mas não é estudando a realidade social, política e econômica que vamos conhecer o direito de um povo.É estudando as normas jurídicas válidas naquela sociedade.

Ainda que elementos sociais, históricos, políticos, econômicos, antropológicos informem a criação/produção e a interpretação/aplicação destas normas, são objetos de outras Ciências específicas, que não a Jurídica. 

Um estudo, por exemplo, da evolução das normas jurídicas no tempo compete à História do Direito. A análise das mudanças sociais por elas reguladas é realizada pela Sociologia do Direito. O estudo da situação política em que tais normas foram produzidas compete à Política do Direito, etc. Tais Ciências, no entanto, apenas auxiliam o estudo do direito, não o tomam como objeto, de modo que, não o conhecemos por meio delas.

Hoje em dia fala-se muito sobre um estudo interdisciplinar do direito (como crítica à posição kelseniana). Mas, não podemos esquecer que o interdisciplinar só existe em razão do disciplinar. E os alunos são os mais prejudicados com esse tipo de análise, pois muitos saem da faculdade sem ao menos saber o que é o direito, porque se voltam para outros aspectos da realidade social, que não efetivamente o jurídico.

O jurista que parte sua análise do fato social (político, econômico,antropológico, etc.), apesar de construir suas proposições em nome de uma análise jurídica, realiza um estudo sociológico, e não jurídico, do direito.

Quando, por exemplo, uma empresa contrata um advogado para analisar sua fusão com outra. Ela espera que seu objeto sejam as normas jurídicas que regulam tal fusão, não seus impactos ou causas sociais, se assim o fosse, ela contrataria um sociólogo, economista, cientista político, etc., não um advogado.

O problema é que como o direito regula a realidade social, o jurista acaba tomando-a como objeto de sua análise e se desvirtuando do estudo das normas jurídicas. Isto não significa, porém,desconsiderarmos a importância de todos os demais enfoques, cada qual, no entanto, próprio de uma Ciência específica.

7- Como o operador do direito pode fazer uso do instrumental fornecido pelo constructivismo lógico-semântico no seu dia a dia profissional?

R: Aqui vale a máxima de Pontes de Miranda de que não há diferença entre teoria e prática, o que se tem é o conhecimento do objeto, que pressupõe a intersecção destas duas linguagens. De nada adianta conhecermos uma teoria e não conseguirmos aplicá-la para conhecer uma realidade, não conhecemos então esta realidade e de nada adianta termos a prática se não temos uma teoria para explicá-la, também não conhecemos está realidade. O conhecimento surge da intersecção entre a teoria e a prática. No livro trago o exemplo do médico dermatologista que conhece teoricamente o câncer de pele, mas que quando se depara com a prática no seu paciente não consegue identificá-la como tal. Ele tem a teoria e a prática, mas não consegue se utilizar daquela para conhecer esta, logo a realidade câncer de pele não existe ali para ele.

Esta era minha sensação perante o direito. Tinha uma angústia muito grande em lidar com ele no meu dia a dia, justamente porque ainda estava apegada à ideia de que havia um conteúdo intrínseco, inerente aos textos positivados e acabava por buscar os valores de justiça, igualdade, certeza nos textos jurídicos, quando eles não estão lá. Estão no intérprete e são condicionados por seus referenciais. É por isso que temos sempre, no mínimo, duas teorias totalmente diferentes para explicar os mesmos conceitos no direito e não há como dizer que uma está certa e a outra errada, mas sim que uma se amolda melhor aos meus objetivos do momento.

Perceber o direito como linguagem é um passo muito importante. O direito é texto, se materializa na forma de texto e essa é a nossa forma de lidar com ele. Nós não prestamos atenção nisso.

Então, se o direito é texto temos que saber como lidar com textos e entender que o sentido é uma construção do intérprete. Isto torna tudo mais fácil, porque deixamos de gastar esforços em procurar um conteúdo nos documentos normativos. E nos voltamos para a construção de uma interpretação mais elaborada, que convença.

Para isso os pressupostos do Constructivismo são essenciais. Quando construímos um discurso amarrado lógica e semanticamente é muito difícil de alguém refutá-lo.

8- Como se deu o desenvolvimento de sua obra “Curso de Teoria Geral do Direito – O Constructivismo Lógico-Semântico”? Por que o título “Curso de”?

R: O desenvolvimento da obra se deu como tese do meu doutorado em Filosofia do Direito da PUC-SP. Na época todos os conceitos e pressupostos do Constructivismo já estavam delimitados e bem definidos nas obras do Prof. Paulo de Barros Carvalho, mas servindo como pano de fundo para sua Teoria sobre o Direito Tributário e, em razão disso, o contato com a Teoria do Constructivismo Lógico-Semântico se restringia àqueles que se interessavam por esta área de atuação do direito. No Mestrado, apliquei o modelo do Constructivismo para estudar o Direito Penal, ao analisar a norma penal tributária (vide Direito Penal Tributário: uma análise lógica, semântica e jurisprudencial – Quartier Latin, 2008). Mas como o modelo serve para qualquer ramo do direito, no doutorado, minhas pesquisas se voltaram a aplicá-lo em termos gerais, para que pudesse ser utilizado como pano de fundo a qualquer segmento do direito.

Foram três anos para pensar e escrever o livro. O elaborei na forma de Curso, que contempla a matéria Teoria Geral do Direito em toda a sua extensão e tentei desenvolvê-lo numa linguagem bem didática, com bastantes exemplos, gráficos e desenhos, para que pudesse ser trabalhado tanto com alunos de graduação, especialização, mestrado e doutorado.

Tomei como base a estrutura do Curso de Teoria Geral do Direito que ministro no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) desde 2008 e das minhas aulas na graduação, da disciplina Introdução ao Estudo do Direito. O livro tem dezoito capítulos, divididos em quatro sub-livros: (i) Pressupostos do Constructivismo Lógico-Semântico; (ii) Teoria da Norma Jurídica; (iii)Teoria da Incidência; e (iv) Teoria do Ordenamento Jurídico, para facilitar a organização dos temas por bimestres. E ao final de cada capítulo, para reforçar ainda mais o caráter de Curso do livro, adicionei uma série de questões, que levam os alunos a pensarem detalhadamente sobre cada assunto tratado. Estas questões podem ser utilizadas pelo professor para trabalhos em sala ou casa.

Hoje o livro, que foi lançado em 2009, está na sua 3ª. edição (revisada e atualizada) e é adotado nos cursos que ministro, nos programas de Mestrado e Doutorado da PUC-SP e USP, além de outras universidades do país e indicado como leitura obrigatória pelo Professor Paulo de Barros Carvalho a todos aqueles que queiram entrar em contato com sua teoria.

9- Quais o seu próximo projeto de pesquisa?

R: Tenho projetos de pesquisas institucionais relacionados à área jurídica que desenvolvo com alunos e professores na Universidade Estadual de Londrina – UEL (sobre Semiótica Jurídica) e no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET (sobre direito tributário). Mas meu maior interesse particular, no momento, é uma pesquisa que venho desenvolvendo em outras áreas do conhecimento científico (principalmente no campo das Ciências Naturais – ex. Física, Química e Biologia) que também partem do mesmo referencial filosófico com o qual trabalhamos no Constructivismo Lógico-Semântico.

Na Física, em seu último livro, STEPHEN HAWKING intitulado “o Grande Projeto” (The Grand Design) a descoberta de que não há uma única teoria verdadeira capaz de explicar a origem do universo, mas várias. Na Biologia, ROBERT LANZA com sua Teoria “Biocentrismo”, também parte do mesmo referencial com os quais trabalhamos há mais de dez anos no Constructivismo Lógico-Semântico.

Ofato é que, há muitos estudos seguindo o mesmo caminho, são cientistas de diferentes áreas trabalhando com referenciais próximos e mais, pensando, ainda que indiretamente, nos postulados epistemológicos de suas ciências. Foi neste mesmo cenário, num dado momento histórico (segunda década do século passado), que uma também unidade de pensamento, observada em diferentes segmentos científicos (Física, Matemática, Química, Biologia, Piscicologia e Jurídica) motivou os encontros do Círculo de Viena e a produção dos postulados epistemológicos do Neopositivismo Lógico, que ainda regem a concepção tradicional de Ciência, com os quais trabalham a maioria das Teorias,principalmente, as que se voltam aos “fenômenos naturais”. Parece-me que estamos vivenciando um momento de mudança na base epistemológica de todas as Ciências. Este é o objeto das minhas pesquisas atuais e o que anda motivando minha inspiração para os estudos.

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