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domingo, 14 de julho de 2013

Informativo STF 710 - 10 a 14 de junho de 2013

ED: crédito-prêmio do IPI e declaração de inconstitucionalidade - 2
Em conclusão, o Plenário acolheu parcialmente embargos de declaração para assentar a extensão da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º do Decreto-Lei 1.724/79 no ponto em que conferida delegação ao Ministro de Estado da Fazenda para extinguir os incentivos fiscais concedidos pelos artigos 1º e 5º do Decreto-Lei 491/69 (crédito-prêmio do IPI). Os contribuintes, ora embargantes, alegavam a existência de contradição entre o que decidido na conclusão do recurso extraordinário e o que registrado, posteriormente, em sua proclamação — v. Informativo 374. Aduziu-se a discrepância do conteúdo da ata de julgamento acerca da inconstitucionalidade com o voto condutor e com a maioria então formada. O Min. Dias Toffoli acrescentou que o pleito dos contribuintes seria mais amplo, a pretender também a manifestação da Corte sobre questão não decidida e nem debatida na origem, qual seja, a constitucionalidade do art. 3º, I, do Decreto-Lei 1.894/81.


REPERCUSSÃO GERAL

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 703.595-RS
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: REPERCUSSÃO GERAL. EXECUÇÃO FISCAL. NOMEAÇÃO DE PRECATÓRIO À PENHORA. ORDEM LEGAL DE PREFERÊNCIA. AUSÊNCIA DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Casa da Moeda do Brasil - Empresa delegatária de serviço público - Monopólio constitucional - Imunidade tributária recíproca (Transcrições)

RE 610517/RJ*

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: Casa da Moeda do Brasil (CMB). Empresa governamental delegatária de serviços públicos. Emissão de papel moeda, cunhagem de moeda metálica, fabricação de fichas telefônicas e impressão de selos postais. Regime constitucional de monopólio (CF, art. 21, VII). Outorga de delegação à CMB, mediante lei, que não descaracteriza a estatalidade do serviço público, notadamente quando constitucionalmente monopolizado pela pessoa política (a União Federal, no caso) que é dele titular. A delegação da execução de serviço público, mediante outorga legal, não implica alteração do regime jurídico de direito público, inclusive o de direito tributário, que incide sobre referida atividade. Consequente extensão, a essa empresa pública, em matéria de impostos, da proteção constitucional fundada na garantia da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a). O alto significado político-jurídico dessa prerrogativa constitucional, que traduz uma das projeções concretizadoras do princípio da Federação. Imunidade tributária da Casa da Moeda do Brasil, em face do ISS, quanto às atividades executadas no desempenho do encargo, que, a ela outorgado mediante delegação, foi deferido, constitucionalmente, à União Federal. Doutrina (Regina Helena Costa, inter alios). Precedentes. Recurso extraordinário improvido.

DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra decisão que, proferida pelo E. Tribunal Regional Federal da 2ª Região, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 698):

“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO ARTS. 150 E 173 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL CASA DA MOEDA PAPEL MOEDA, MOEDA METÁLICA, SELO POSTAL, FICHA TELEFÔNICA E BILHETES MAGNÉTICOS.
I - a imunidade que acoberta o patrimônio, a renda e os serviços da União alcança a atividade pública posteriormente delegada, não se caracterizando como privilégio fiscal concedido à empresa pública, uma vez que a imunidade é preexistente, comunicando-se juntamente com a delegação que abrange papel moeda, moeda metálica e selo postal.
II - a confecção de bilhetes magnéticos, os quais se caracterizam como impressos personalizados, se enquadra nas hipóteses de incidência previstas no item 77 da lista de serviços do ISS, o que não ocorre em relação à transformação de metal em fichas telefônicas.
III - Recursos e remessa aos quais se nega provimento.” (grifei)

O Município ora recorrente, ao deduzir este apelo extremo, sustenta que o Tribunal “a quo” teria transgredido os preceitos inscritos no art. 150, VI, “a”, e art. 173, §§ 1º e 2º, da Constituição da República.
A Presidência do Tribunal “a quo”, ao formular juízo positivo de admissibilidade do apelo extremo em questão, assim justificou a decisão que proferiu (fls. 830/831):

“Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Município do Rio de Janeiro, com fundamento no art. 102, III, alínea ‘a’, da Constituição Federal, em face de acórdão proferido pela Quarta Turma deste Tribunal, que, por unanimidade, negou provimento aos recursos e à remessa necessária, mantendo a sentença ‘a quo’ que concedeu parcialmente a segurança, assegurando à impetrante o direito de não ser compelida ao pagamento do ISS sobre papel moeda, moeda metálica, selo postal e ficha telefônica, e denegou a segurança por considerar legítima a incidência quanto a bilhetes magnetizados.
Alega o recorrente que o v. acórdão recorrido, ao reconhecer a imunidade recíproca a uma pessoa jurídica de direito privado que explora atividade econômica, assegurando o seu direito de não ser compelida a pagar o ISS sobre os serviços de composição gráfica em papel moeda, moeda metálica e selo postal, contrariou o art. 150, VI, ‘a’ e § 2º c/c art. 173, §§ 1º e 2º, todos da Constituição.
Sustenta que a impetrante não faz jus a qualquer tipo de imunidade tributária, seja subjetiva ou objetiva, primeiro, por se tratar de empresa pública; segundo, em face da realidade de que o ISS não onera a circulação do bem corpóreo no qual o serviço tenha sido aplicado, e sim a prestação do serviço, gravando, então, a circulação de um bem incorpóreo, que é o serviço.
Atendidos os pressupostos recursais objetivos, passo ao exame dos pressupostos recursais subjetivos.
A fundamentação permite a exata compreensão da controvérsia, com indicação do dispositivo constitucional autorizador do recurso.
Sendo plausível, portanto, a tese recursal sobre a violação ou não aos dispositivos constitucionais apontados, recomendável a reapreciação da matéria pelo eg. Supremo Tribunal Federal.
Posto isso, admito o recurso extraordinário interposto às fls. 753/763.” (grifei)

O Ministério Público Federal, em manifestação do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. PAULO DA ROCHA CAMPOS, opinou pelo não provimento deste recurso extraordinário, em parecer do qual se destaca a seguinte passagem (fls. 883/884):

“7. O recurso não comporta provimento.
8. É que o v. acórdão combatido vai ao encontro da jurisprudência dessa Suprema Corte, no sentido de que: ‘É aplicável a imunidade tributária recíproca às autarquias e empresas públicas que prestem inequívoco serviço público, desde que, entre outros requisitos constitucionais e legais não distribuam lucros ou resultados direta ou indiretamente a particulares, ou tenham por objetivo principal conceder acréscimo patrimonial ao poder público (ausência de capacidade contributiva) e não desempenhem atividade econômica, de modo a conferir vantagem não extensível às empresas privadas (livre iniciativa e concorrência).’ (RE 399307 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 16/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-07 PP-01492)
9. Segue, ainda, o seguinte precedente proferido pelo Plenário desse Supremo Tribunal Federal, ‘verbis’:

‘Tributário. Imunidade recíproca. Art. 150, VI, ‘a’, da Constituição Federal. Extensão Empresa pública prestadora de serviço público. Precedentes da Suprema Corte. 1. Já assentou a Suprema Corte que a norma do art. 150, VI, ‘a’, da Constituição Federal alcança as empresas públicas prestadoras de serviço público, como é o caso da autora, que não se confunde com as empresas públicas que exercem atividade econômica em sentido estrito. Com isso, impõe-se o reconhecimento da imunidade recíproca prevista na norma supracitada. 2. Ação cível originária julgada procedente.’ (ACO 765, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 13/05/2009, DJe-167 DIVULG 03-09-2009 PUBLIC 04-09-2009 EMENT VOL-02372-01 PP-00001 LEXSTF v. 31, n. 369, 2009, p. 21-45)

10. Diante do exposto, o parecer é pelo não provimento do presente recurso extraordinário.” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo a examinar o presente recurso extraordinário. E, ao fazê-lo, reconheço que o exame desta causa evidencia achar-se o acórdão ora impugnado em harmonia com a diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na análise da matéria em referência.
Com efeito, a controvérsia jurídica suscitada na presente causa consiste em saber se se revela constitucionalmente lícito, ou não, ao Município, fazer incidir o ISS sobre a atividade desempenhada pela Casa da Moeda do Brasil - CMB, empresa pública federal, na execução de serviços de emissão de moeda, notadamente em face do que dispõe o art. 21, VII, da Constituição da República, que outorga, à União Federal, nesse específico domínio, a exploração de tal atividade.
Cumpre enfatizar, por relevante, que a exploração dos serviços de emissão de moeda poderá ser executada, diretamente, pela própria União Federal, ou, então, indiretamente, mediante utilização, por essa pessoa política, de instrumentos de descentralização administrativa.
Na realidade, a Casa da Moeda executa e presta serviço público mediante outorga da União Federal, a quem foi constitucionalmente deferido, em regime de monopólio, o encargo de “emitir moeda” (CF, art. 21, VII).
O art. 2º da Lei nº 5.895/1973, por sua vez, dispõe sobre as atribuições de referida empresa pública:

“Art. 2º A Casa da Moeda do Brasil terá por finalidade, em caráter de exclusividade, a fabricação de papel moeda e moeda metálica e a impressão de selos postais e fiscais federais e títulos da dívida pública federal.
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto neste artigo a Casa da Moeda do Brasil poderá exercer outras atividades compatíveis com suas atividades industriais.” (grifei)

Daí a existência de pronunciamentos judiciais desta Suprema Corte que põem em destaque a circunstância - constitucionalmente relevante - de que “(...) a empresa pública, ‘ut’ Lei nº 5.895/1973, detinha a Casa da Moeda do Brasil, anteriormente, a condição de autarquia. A alteração da natureza da entidade não a afastou, entretanto, da prestação de serviços públicos, com exclusividade, tais como a fabricação de papel moeda e moeda metálica, a impressão de selos postais e fiscais federais e títulos da dívida pública federal, a teor do artigo 2º, da Lei nº 5.895, de 1973” (RTJ 116/578-583, 580, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - grifei), a significar, portanto, que, não obstante organizada sob a forma de empresa pública, a Casa da Moeda do Brasil tem o seu patrimônio, rendas e serviços excluídos, em matéria de impostos, do poder de tributar dos entes políticos em geral, pois a Casa da Moeda do Brasil presta típico serviço público cuja execução submete-se, constitucionalmente, a regime de monopólio.
Cabe destacar, neste ponto, o magistério da doutrina (CARLOS SOARES SANTANNA, “Imunidade de Empresas Públicas Prestadoras de Serviços Públicos”, “in” “Imunidade Tributária”, obra coletiva, p. 43/54, 2005, MP Editora; JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, “Manual de Direito Administrativo”, p. 848/849, item n. 4, 12ª ed., 2005, Lumen Juris; ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “A Imunidade Tributária das Empresas Estatais Delegatárias de Serviços Públicos”, p. 38/48, 2004, Malheiros; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 656/657, item n. 17, 21ª ed., 2006, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 640/641, item n. 3.1, 32ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2006, Malheiros), cujas lições acentuam - mesmo tratando-se de empresas governamentais prestadoras de serviços públicos - a estatalidade das atividades por elas exercidas em regime de delegação pertinente a serviços constitucionalmente monopolizados pelo Poder Público (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 803/806, item n. 14, 34ª ed., 2011, Malheiros, v.g.), valendo referir, ante a pertinência de suas observações, o preciso entendimento de REGINA HELENA COSTA (“Imunidades Tributárias - Teoria e Análise da Jurisprudência do STF”, p. 143/144, item n. 2.1.6, 2ª ed., 2006, Malheiros):

“Inicialmente, analisemos a situação da empresa - estatal empresa pública ou sociedade de economia mista - que recebeu a outorga, por meio de lei, da prestação de serviço público cuja competência pertence à pessoa política que a criou.
Tais pessoas detêm personalidade de Direito Privado e compõem a Administração Pública Indireta ou Descentralizada. Têm sua criação autorizada, sempre por lei (art. 37, XIX, da CF), para desempenhar atividade de natureza econômica, a título de intervenção do Estado no domínio econômico (art. 173 da CF) ou como serviço público assumido pelo Estado (art. 175 da CF).
Recebendo tais entes o encargo de prestar serviço público - consoante a noção exposta -, o regime de sua atividade é o de Direito Público, o que inclui, dentre outras prerrogativas, o direito à imunidade fiscal.
O raciocínio resume-se no seguinte: se o serviço público for prestado diretamente pela pessoa política estará, indubitavelmente, imune à tributação por via de impostos. Ora, a mera delegação da execução desse serviço público, pela pessoa que é titular da competência para prestá-lo à coletividade, por meio de lei, a uma empresa por ela instituída - empresa pública ou sociedade de economia mista -, que se torna delegatária do serviço, não pode, portanto, alterar o regime jurídico - inclusive tributário - que incide sobre a mesma prestação.
A descentralização administrativa, como expediente destinado a garantir maior eficiência na prestação de serviços públicos (art. 37, ‘caput’, da CF), não tem o condão de alterar o tratamento a eles dispensado, consagrador da exoneração tributária concernente a impostos.” (grifei)

Diversa não é a percepção do tema revelada, em douto magistério, por ROQUE ANTONIO CARRAZZA (“Curso de Direito Constitucional Tributário”, p. 706/709, 22ª ed., 2006, Malheiros):

“Aprofundando o assunto, as empresas estatais, quando delegatárias de serviços públicos ou de atos de polícia - e que, portanto, não exploram atividades econômicas -, não se sujeitam à tributação por meio de impostos, justamente porque são a ‘longa manus’ das pessoas políticas que, por meio de lei, as criam e lhes apontam os objetivos públicos a alcançar.
A circunstância de serem revestidas da natureza de ‘empresa pública’ ou de ‘sociedade de economia mista’ não lhes retira a condição de ‘pessoas administrativas’, que agem em nome do Estado, para a consecução do bem comum.
Valem, a respeito, as observações do mesmo mestre Geraldo Ataliba: ‘Há delegação (o que só cabe por decisão legislativa) quando a pessoa política (União, Estado ou Município) cria uma entidade sob forma de empresa (pública ou mista) e a incumbe de prestar um serviço público. Assim, a empresa estatal é delegada e (na forma da lei) exerce serviço público próprio da entidade política cuja lei a criou’.
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Muito bem, as pessoas administrativas delegatárias de serviços públicos ou do poder de polícia titularizam interesses públicos, que lhes dão grande cópia de prerrogativas, inclusive no que concerne à tributação, a elas se aplicando, por inteiro, a imunidade do art. 150, VI, ‘a’, da CF.
Sendo mais específicos, tais pessoas, enquanto, no exercício de suas funções típicas, auferem rendimentos, são imunes ao IR e aos demais tributos que incidem sobre lucros, receitas, rendimentos etc.; enquanto proprietárias dos imóveis que lhes dão ‘base material’ para o desempenho de suas atividades típicas, são imunes ao IPTU; enquanto proprietárias de veículos automotores utilizados na prestação dos serviços públicos ou na prática de atos de polícia, são imunes ao IPVA; e assim avante.
Remarque-se que a circunstância de estas pessoas terem personalidade de direito privado não impede recebam especial proteção tributária, justamente para possibilitar a prestação de serviços públicos ou a prática de atos de polícia.
Reforçando estas idéias, é ponto bem averiguado que algumas atividades só podem ser exploradas pelo Estado, entre nós representado pelas pessoas políticas (a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal). É que a Constituição entendeu que elas são tão essenciais ou dizem tão de perto com a soberania nacional, que não convém naveguem ao sabor da livre concorrência.
De fato, embora entre nós vigore o regime da livre iniciativa, aos particulares - e, por extensão, às empresas privadas - não é dado imiscuir-se em determinados assuntos. Quais assuntos? Basicamente os adnumerados nos arts. 21, 25, 30 e 32 da CF, que tratam, respectivamente, das competências administrativas da União, dos Estados-membros, dos Municípios e do Distrito Federal.
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Os particulares só ingressam no campo reservado aos serviços públicos ou aos atos de polícia quando contratados pelo Estado, segundo as fórmulas da concessão e permissão. Mas, mesmo quando isto acontece, o Estado não se desonera do dever e da titularidade de supervisioná-los. Afinal, os serviços e os atos de polícia continuam públicos. Não migram, por forca da concessão ou da permissão, para as hostes do direito privado.
O que estamos querendo significar é que, do mesmo modo em que há um campo reservado à livre iniciativa (art. 170 da CF), há um outro reservado à atuação estatal (art. 175 da CF).
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Quando, porém, a empresa pública ou a sociedade de economia mista são delegatárias de serviços públicos ou de poder de polícia, elas, por não concorrerem com as empresas privadas, não se sujeitam aos ditames do precitado art. 173.
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Podemos, pois, dizer que, neste caso, as sociedades de economia mista e as empresas públicas, pelas atribuições delegadas de poder público que exercitam, são, ‘tão-só quanto à forma’, pessoas de direito privado. ‘Quanto ao fundo’ são instrumentos do Estado, para a prestação de serviços públicos ou a prática de atos de polícia. Acabam fazendo as vezes das autarquias, embora - damo-nos pressa em proclamar - com elas não se confundam.
Neste sentido, enquanto atuam como se pessoas políticas fossem, as empresas públicas e as sociedades de economia mista não podem ter embaraçada ou anulada sua ação pública por meio de impostos. Esta é a conseqüência de uma interpretação sistemática do art. 150, VI, ‘a’, da CF.
Não se deve distinguir entre a empresa estatal e a pessoa política que a instituiu, mas, simplesmente, se a hipótese de incidência (fato gerador ‘in abstracto’) do imposto provém da prestação de serviços públicos ou do exercício do poder de polícia, isto é, de atividades de competência governamental. Em caso afirmativo, são, s.m.j., alcançadas pelos benefícios do art. 150, VI, ‘a’, da CF.” (grifei)

Vê-se, portanto, que a resolução do presente litígio há de resultar do reconhecimento, na espécie, de que a pretensão impositiva do Município, em tema de ISS (imposto cuja exigibilidade está sendo questionada no caso), sofre as limitações decorrentes da garantia da imunidade tributária recíproca, que traduz uma das projeções concretizadoras do postulado constitucional da Federação.
É importante por em destaque, neste ponto, a própria razão de ser da cláusula que instituiu a imunidade tributária recíproca.
Sabemos que a Constituição do Brasil, ao institucionalizar o modelo federal de Estado, perfilhou, a partir das múltiplas tendências já positivadas na experiência constitucional comparada, o sistema do federalismo de equilíbrio, cujas bases repousam na necessária igualdade político-jurídica entre as unidades que compõem o Estado Federal.
Desse vínculo isonômico, que parifica as pessoas estatais dotadas de capacidade política, deriva, como uma de suas consequências mais expressivas, a vedação - dirigida a cada um dos entes federados - de instituição de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços uns dos outros, bem assim de suas instrumentalidades administrativas, como esta Suprema Corte vem decidindo a respeito de semelhante questão.
A imunidade tributária recíproca - consagrada pelas sucessivas Constituições republicanas brasileiras - representa um fator indispensável à preservação institucional das próprias unidades integrantes do Estado Federal, constituindo, ainda, importante instrumento de manutenção do equilíbrio e da harmonia que devem prevalecer, como valores essenciais que são, no plano das relações político-jurídicas fundadas no pacto da Federação.
A concepção de Estado Federal, que prevalece em nosso ordenamento positivo, impede - especialmente em função do papel que incumbe a cada unidade federada desempenhar no seio da Federação - que qualquer delas institua impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços tanto das demais pessoas políticas quanto das respectivas pessoas administrativas, quando criadas para executar, mediante outorga, serviços públicos constitucionalmente incluídos na esfera orgânica de competência das entidades governamentais.
No processo de indagação das razões políticas subjacentes à previsão constitucional da imunidade tributária recíproca, cabe destacar, precisamente, a preocupação do legislador constituinte de inibir, pela repulsa à submissão fiscal de uma entidade federada a outra, qualquer tentativa, que, concretizada, possa, em última análise, inviabilizar o próprio funcionamento da Federação.
Essa percepção em torno do significado e da finalidade da imunidade tributária recíproca, que representa verdadeira garantia institucional de preservação do sistema federativo, encontra apoio no pensamento doutrinário de eminentes autores (ALIOMAR BALEEIRO, “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, p. 91, 5ª ed., 1977, Forense; JOÃO BARBALHO, “Constituição Federal Brasileira”, p. 40, 1992, edição fac-similar do Senado Federal, Brasília; PAULO DE BARROS CARVALHO, “Curso de Direito Tributário”, p. 119/120, 4ª ed., 1991, Saraiva; FRANCISCO CAMPOS, “Direito Constitucional”, vol. I/7-134, 1956, Freitas Bastos; ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional”, p. 1.719, item n. 150.10, 2ª ed., 2003, Atlas; HUGO DE BRITO MACHADO, “Curso de Direito Tributário”, p. 283/285, item n. 3.9, 26ª ed., 2005, Malheiros; HUMBERTO ÁVILA, “Sistema Constitucional Tributário”, p. 216/220, 2ª ed., 2006, Saraiva; SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, “Curso de Direito Tributário Brasileiro”, p. 287/299, item n. 7.1, 9ª ed., 2006, Forense, v.g.), refletindo-se, ainda, como anteriormente salientado, na própria jurisprudência constitucional desta Suprema Corte (RTJ 151/755-756, v.g.).
Assim definida a questão, cumpre-me observar, desde logo, por relevante, que controvérsias assemelhadas à suscitada no presente recurso extraordinário - que concerniam a empresas governamentais incumbidas, por outorga, de explorar atividades constitucionalmente reservadas a determinada entidade política - já foram dirimidas por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, em julgamentos nos quais se reconheceu, em favor dessas mesmas empresas governamentais delegatárias de serviços públicos, alguns dos quais instituídos em regime constitucional de monopólio, a garantia da imunidade tributária recíproca (RTJ 187/355, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - ACO 789/PI, Red. p/ o acórdão Min. DIAS TOFFOLI - ACO 814/PR, Red. p/ o acórdão Min. DIAS TOFFOLI - RE 318.185-AgR/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM - RE 357.291-AgR/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO - RE 357.447-AgR/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE - RE 407.099/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RE 501.639-AgR/BA, Rel. Min. EROS GRAU - RE 542.454-AgR/BA, Rel. Min. AYRES BRITTO - RE 598.322-AgR/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, ‘a’. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO.
I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, ‘a’.
II. - R.E. conhecido e provido.”
(RTJ 193/1129, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei)

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IPTU. IMÓVEIS DO ACERVO PATRIMONIAL DO PORTO DE SANTOS. IMUNIDADE RECÍPROCA. TAXAS.
1. Imóveis situados no porto, área de domínio público da União, e que se encontram sob custódia da companhia em razão de delegação prevista na Lei de Concessões Portuárias. Não-incidência do IPTU, por tratar-se de bem e serviço de competência atribuída ao poder público (artigos 21, XII, f e 150, VI, da Constituição Federal).
2. Taxas. Imunidade. Inexistência, uma vez que o preceito constitucional só faz alusão expressa a imposto, não comportando a vedação a cobrança de taxas.
Recurso Extraordinário parcialmente provido.”
(RE 265.749/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - grifei)

“INFRAERO. EMPRESA PÚBLICA FEDERAL VOCACIONADA, EM FUNÇÃO DE SUA ESPECÍFICA DESTINAÇÃO INSTITUCIONAL, A EXECUTAR, COMO ATIVIDADE-FIM, SERVIÇOS DE INFRA-ESTRUTURA AEROPORTUÁRIA. MATÉRIA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE MONOPÓLIO ESTATAL (CF, ART. 21, XII, ‘c’). POSSIBILIDADE DE A UNIÃO FEDERAL OUTORGAR, POR LEI, A UMA EMPRESA GOVERNAMENTAL, O EXERCÍCIO DESSE ENCARGO, SEM QUE ESTE PERCA O ATRIBUTO DE ESTATALIDADE QUE LHE É PRÓPRIO. OPÇÃO CONSTITUCIONALMENTE LEGÍTIMA. CRIAÇÃO DA INFRAERO COMO INSTRUMENTALIDADE ADMINISTRATIVA DA UNIÃO FEDERAL, INCUMBIDA, NESSA CONDIÇÃO INSTITUCIONAL, DE EXECUTAR TÍPICO SERVIÇO PÚBLICO (LEI Nº 5.862/1972). CONSEQÜENTE EXTENSÃO, A ESSA EMPRESA PÚBLICA, EM MATÉRIA DE IMPOSTOS, DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL FUNDADA NA GARANTIA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA (CF, ART. 150, VI, ‘a’). O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DESSA GARANTIA CONSTITUCIONAL, QUE TRADUZ UMA DAS PROJEÇÕES CONCRETIZADORAS DO POSTULADO DA FEDERAÇÃO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DA INFRAERO, EM FACE DO ISS, QUANTO ÀS ATIVIDADES EXECUTADAS NO DESEMPENHO DO ENCARGO, QUE, A ELA OUTORGADO, FOI DEFERIDO, CONSTITUCIONALMENTE, À UNIÃO FEDERAL. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.”
(RE 363.412-AgR/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O exame desta causa - presentes as razões que venho de expor, apoiadas nas lições e precedentes ora referidos - evidencia que o acórdão impugnado ajusta-se à orientação que o Supremo Tribunal Federal firmou na análise da matéria em questão.
Assinalo, finalmente, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, resolvendo questão de ordem formulada no ARE 638.315-RG/BA, Rel. Min. CEZAR PELUSO, reconheceu existente a repercussão geral da matéria constitucional similar à versada na presente causa, e, na mesma oportunidade, reafirmou a jurisprudência desta Corte sobre o tema, proferindo decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

“RECURSO. Extraordinário. Imunidade tributária recíproca. Extensão. Empresas públicas prestadoras de serviços públicos. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. Reafirmação da jurisprudência. Recurso improvido. É compatível com a Constituição a extensão de imunidade tributária recíproca à Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária INFRAERO, na qualidade de empresa pública prestadora de serviço público.” (grifei)

Sendo assim, e em face das considerações expostas, conheço do presente recurso extraordinário, para negar-lhe provimento.
Publique-se.
Brasília, 03 de junho de 2013.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

Fonte: STF

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