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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Informativo STF 757 - 1º a 5 de setembro de 2014

IPI e alteração da base de cálculo por lei ordinária - 1
É inconstitucional, por ofensa ao art. 146, III, a, da CF, o § 2º do art. 14 da Lei 4.502/1964, com a redação dada pelo art. 15 da Lei 7.798/1989, no ponto em que determina a inclusão de descontos incondicionais na base de cálculo do IPI (“Art. 14. Salvo disposição em contrário, constitui valor tributável: ... § 2º. Não podem ser deduzidos do valor da operação os descontos, diferenças ou abatimentos, concedidos a qualquer título, ainda que incondicionalmente”). Essa a conclusão do Plenário, que negou provimento a recurso extraordinário no qual se discutia a constitucionalidade do aludido preceito. O Tribunal assentou prevalecer o disposto na alínea a do inciso II do art. 47 do CTN, que define o valor da operação como a base de cálculo do IPI. Recordou que a Constituição previra que a lei complementar exerceria diferentes funções em matéria tributária como, por exemplo, criação de tributos na hipótese dos empréstimos compulsórios (art. 148), criação de impostos não previstos na Constituição (art. 154) e criação de novas fontes de custeio da seguridade social (art. 195, § 4º, c/c o art. 154, I). Avaliou que nesses casos, as normas complementares eventualmente editadas teriam âmbito federal. Asseverou, no entanto, que, na hipótese do art. 146, III, a, da CF, a lei complementar possuiria a qualidade de norma nacional [“Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”]. Pontuou que, no âmbito deste último inciso, a lei complementar atuaria entre a rigidez da Constituição e a mutabilidade constante da legislação ordinária.


IPI e alteração da base de cálculo por lei ordinária - 2
A Corte assinalou que a lei complementar, com caráter de lei nacional, explicitaria princípios e conceitos indeterminados da Constituição. Ressaltou que a ação posterior do legislador ordinário deveria, portanto, observar as normas gerais contidas na lei complementar. Consignou que, considerada a aludida alínea a, preceito constitucional aplicável a espécie, cumpriria ao legislador complementar definir os fatos geradores, as bases de cálculo e os contribuintes dos impostos previstos na Constituição. Mencionou que a lei complementar teria papel limitador da instituição de impostos em face do legislador ordinário, além de objetivar a harmonização do sistema impositivo nacional. Reputou que a incidência dos impostos apenas poderia ocorrer se formuladas, previamente, tanto as normas gerais, por meio de lei complementar, quanto as normas instituidoras dessa espécie tributária, de competência do legislador ordinário de cada ente tributante e em conformidade com as aludidas diretrizes gerais. Frisou que as leis ordinárias federais, como a da situação examinada, não poderiam implicar inovação no trato dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos federais, a revelar disciplina dissociada das normas gerais precedentes. Caso isso ocorresse, ter-se-ia invasão de competência a ensejar a declaração de inconstitucionalidade formal do ato ordinário. Observou que a sujeição de todo e qualquer diploma ordinário à lei complementar de normas gerais, incluído o federal, decorreria do caráter nacional do ato complementar. Afirmou que sob a óptica jurídico-contábil, os descontos incondicionais seriam parcelas redutoras dos preços de compra e venda outorgados independentemente de evento posterior. Salientou que esse tipo de abatimento repercutiria necessariamente no preço final praticado, ou seja, no valor da operação. Depreendeu que a legislação ordinária, ao impossibilitar a dedução do desconto incondicional, como se este compusesse o preço final cobrado, acabara por disciplinar de forma inovadora a base de cálculo do IPI, de modo a ampliar o alcance material desse elemento da obrigação tributária para além do previsto na norma complementar competente (CTN). Concluiu que o legislador ordinário incorrera em inconstitucionalidade formal, por invadir área reservada à lei complementar pelo art. 146, III, a, da CF. O Ministro Roberto Barroso ressalvou seu ponto de vista no sentido de que, no caso, haveria inconstitucionalidade material e não formal em razão de a lei ordinária ter vulnerado aspecto material da Constituição.

Correção monetária de demonstrações financeiras
A 1ª Turma, por maioria, negou provimento a agravo regimental em que se discutia a possibilidade de correção monetária de demonstrações financeiras. Inicialmente, a Turma afirmou que a controvérsia a envolver o art. 4º da Lei 9.249/1995, cingir-se-ia a âmbito infraconstitucional. Ademais, verificou que a natureza dos créditos escriturais acumulados concernentes aos prejuízos fiscais do IRPJ e às bases negativas da CSLL seria distinta. Consignou posicionamento da Corte segundo o qual a dedução de prejuízos de exercícios anteriores da base de cálculo do IRPJ e a compensação das bases negativas da CSLL constituiriam favores fiscais. Nesse sentido, os prejuízos ocorridos em exercícios não se caracterizariam como fato gerador, mas meras deduções, cuja proteção para exercícios futuros teria sido autorizada nos termos da lei. Em seguida, a Turma ressaltou que o art. 39, § 4º, da Lei 9.250/1995 não seria aplicável ao caso, uma vez que o dispositivo apenas se referiria à utilização da taxa SELIC aos valores provenientes de tributos pagos indevidamente ou a maior, para fins de compensação, o que não seria a situação dos autos. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que provia o agravo. Pontuava que a ausência de correção monetária implicaria transformação do imposto de renda em imposto sobre o patrimônio da própria empresa, em razão da alta inflação existente à época.

REPERCUSSÃO GERAL

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 790.928-PE
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. ART. 195, § 12, CF/88. PIS. COFINS. ARTIGO 3º , NOTADAMENTE INCISO II E §§ 1º E 2º, DAS LEIS Nºs 10.833/2003, 10.637/2002. ARTIGO 31, § 3º, DA LEI Nº 10.865/2004. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 774.458-PR
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO. VALOR IRRISÓRIO DO DÉBITO EXECUTADO. ART. 8º DA LEI 12.514/11. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

1. Tem natureza infraconstitucional a controvérsia relativa à extinção da execução fiscal de créditos de conselho de fiscalização profissional em função do valor irrisório do débito executado, decidida que foi pelo Tribunal de origem à luz do art. 8º da Lei 12.514/11.

2. Inviável, em recurso extraordinário, apreciar violação ao art. 5º, XXXV e XXXVI, da Constituição Federal, que pressupõe intermediário exame e aplicação de normas infraconstitucionais (AI 796.905-AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 21.5.2012; AI 622.814-AgR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 08.3.2012; ARE 642.062-AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJe de 19.8.2011).

3. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna se dê de forma indireta ou reflexa (RE 584.608 RG, Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/03/2009).

4. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 543-A do CPC.

TRANSCRIÇÕES

O litígio em causa envolve discussão relevantíssima em torno da possibilidade constitucional de o Poder Público, apoiando-se em disposições meramente legais, impor restrições destinadas a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo ou a cumprir obrigações tributárias (principais ou acessórias) e de cuja aplicação resulta, quase sempre, em decorrência do caráter gravoso e indireto da coerção utilizada pelo Estado, a inviabilização do exercício, pela empresa devedora, de atividade econômica lícita.

No caso ora em análise, põe-se em destaque o exame da legitimidade constitucional de exigência estatal fundada no art. 2º, n. II, do DL nº 1.593/77, na redação dada pela Lei nº 9.822/99, que erigiu o adimplemento de obrigação tributária principal ou acessória à condição de requisito necessário à conservação, pela empresa inadimplente, de seu registro especial concedido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Cabe acentuar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, tendo presentes os postulados constitucionais que asseguram a livre prática de atividades econômicas lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), de um lado, e a liberdade de exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro – e considerando, ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos que lhe permitem tornar efetivos os créditos tributários –, firmou orientação jurisprudencial, hoje consubstanciada em enunciados sumulares (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivadas tais limitações pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, v.g.).

Esse entendimento – cumpre enfatizar – tem sido observado em sucessivos julgamentos proferidos por esta Suprema Corte, quer sob a égide do anterior regime constitucional, quer em face da vigente Constituição da República (RTJ 33/99, Rel. Min. EVANDRO LINS – RTJ 45/859, Rel. Min. THOMPSON FLORES – RTJ 47/327, Rel. Min. ADAUCTO CARDOSO – RTJ 73/821, Rel. Min. LEITÃO DE ABREU – RTJ 100/1091, Rel. Min. DJACI FALCÃO – RTJ 111/1307, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 115/1439, Rel. Min. OSCAR CORREA – RTJ 138/847, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RTJ 177/961, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE 111.042/SP, Rel. Min. CARLOS MADEIRA, v.g.):


“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS: REGIME ESPECIAL. RESTRIÇÕES DE CARÁTER PUNITIVO. LIBERDADE DE TRABALHO. CF/67, art. 153, § 23; CF/88, art. 5º, XIII.
I. - Regime especial de ICM, autorizado em lei estadual: restrições e limitações, nele constantes, à atividade comercial do contribuinte, ofensivas à garantia constitucional da liberdade de trabalho (CF/67, art. 153, § 23; CF/88, art. 5º, XIII), constituindo forma oblíqua de cobrança do tributo, assim execução política, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre repeliu (Súmulas nºs 70, 323 e 547).
II. - Precedente do STF: ERE 115.452-SP, Velloso, Plenário, 04.10.90, ‘DJ’ de 16.11.90.
III. - RE não admitido. Agravo não provido.”
(RE 216.983-AgR/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – grifei)

É certo – consoante adverte a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal – que não se reveste de natureza absoluta a liberdade de atividade empresarial, econômica ou profissional, eis que inexistem, em nosso sistema jurídico, direitos e garantias impregnados de caráter absoluto:

“OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO.
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.
O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa –, permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.”
(RTJ 173/807-808, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

A circunstância de não se qualificarem como absolutos os direitos e garantias individuais proclamados no texto constitucional não significa que a Administração Tributária possa frustrar o exercício da atividade empresarial ou profissional do contribuinte inadimplente, impondo-lhe exigências gravosas que, não obstante as prerrogativas extraordinárias que já garantem, eficazmente, o crédito tributário, visem, em última análise, a constranger o devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam, especialmente naquelas situações em que se revelam contestáveis as pretensões tributárias do Estado.

O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles – e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional –, constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso.

Esse comportamento estatal – porque arbitrário e inadmissível – também tem sido igualmente censurado por autorizado magistério doutrinário (HUGO DE BRITO MACHADO, “Sanções Políticas no Direito Tributário”, “in” Revista Dialética de Direito Tributário nº 30, p. 46/47):

“Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras.
Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País.
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São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros.
Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal.” (grifei)

Cabe referir, a propósito da controvérsia suscitada no recurso extraordinário em questão – cancelamento do registro especial necessário à produção empresarial –, a lição de EDISON FREITAS DE SIQUEIRA, em obra monográfica que versou o tema das chamadas “sanções políticas” impostas ao contribuinte inadimplente (“Débito Fiscal – análise crítica e sanções políticas”, p. 61/62, item 2.3, 2001, Sulina):

“Portanto, emerge incontroverso o fato de que uma empresa, para que possa exercer suas atividades, necessita de sua inscrição estadual, bem como de permanente autorização da expedição de notas fiscais, sendo necessário obter nas Secretarias da Fazenda de cada estado da federação onde vendam seus produtos, o respectivo reconhecimento de direito à utilização de sistemas especiais de arrecadação, bem como na transferência de créditos acumulados, além da obtenção da respectiva Autorização para Impressão de Documentos Fiscais (AIDF), em paralelo às notas fiscais.
Salienta-se que qualquer ação contrária do Estado, quanto à concessão e reconhecimento dos direitos inerentes às questões no parágrafo anterior referendadas, constitui ‘sanção política’, medida despótica e própria de ditadores, porque subverte o sistema legal vigente. (...).” (grifei)

Cumpre assinalar, por oportuno, que essa percepção do tema, prestigiada pelo saudoso e eminente Ministro ALIOMAR BALEEIRO (“Direito Tributário Brasileiro”, p. 878/880, item n. 2, 11ª ed., atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi, 1999, Forense), é também compartilhada por autorizado magistério doutrinário que põe em destaque, no exame dessa matéria, o direito do contribuinte ao livre exercício de sua atividade profissional ou econômica, cuja prática legítima – qualificando-se como limitação material ao poder do Estado – inibe a Administração Tributária, em face do postulado que consagra a proibição de excesso (RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE MELLO), de impor ao contribuinte inadimplente restrições que configurem meios gravosos e irrazoáveis destinados a constranger, de modo indireto, o devedor a satisfazer o crédito tributário (HUMBERTO BERGMANN ÁVILA, “Sistema Constitucional Tributário”, p. 324 e 326, 2004, Saraiva; SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, “Infração Tributária e Sanção”, in “Sanções Administrativas Tributárias”, p. 420/444, 432, 2004, Dialética/ICET; HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO, “Processo Tributário”, p. 93/95, item n. 2.7, 2004, Atlas; RICARDO LOBO TORRES, “Curso de Direito Financeiro e Tributário”, p. 270, item n. 7.1, 1995, Renovar, v.g.).
A censura a esse comportamento inconstitucional, quando adotado pelo Poder Público em sede tributária, foi registrada, com extrema propriedade, em precisa lição, por HELENILSON CUNHA PONTES (“O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário”, p. 141/143, item n. 2.3, 2000, Dialética):

“O princípio da proporcionalidade, em seu aspecto necessidade, torna inconstitucional também grande parte das sanções indiretas ou políticas impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que se encontrem em estado de impontualidade com os seus deveres tributários. Com efeito, se com a imposição de sanções menos gravosas, e até mais eficazes (como a propositura de medida cautelar fiscal e ação de execução fiscal), pode o Estado realizar o seu direito à percepção da receita pública tributária, nada justifica validamente a imposição de sanções indiretas como a negativa de fornecimento de certidões negativas de débito, ou inscrição em cadastro de devedores, o que resulta em sérias e graves restrições ao exercício da livre iniciativa econômica, que vão da impossibilidade de registrar atos societários nos órgãos do Registro Nacional do Comércio até a proibição de participar de concorrências públicas.

O Estado brasileiro, talvez em exemplo único em todo o mundo ocidental, exerce, de forma cada vez mais criativa, o seu poder de estabelecer sanções políticas (ou indiretas), objetivando compelir o sujeito passivo a cumprir o seu dever tributário. Tantas foram as sanções tributárias indiretas criadas pelo Estado brasileiro que deram origem a três Súmulas do Supremo Tribunal Federal.
Enfim, sempre que houver a possibilidade de se impor medida menos gravosa à esfera jurídica do indivíduo infrator, cujo efeito seja semelhante àquele decorrente da aplicação de sanção mais limitadora, deve o Estado optar pela primeira, por exigência do princípio da proporcionalidade em seu aspecto necessidade.
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As sanções tributárias podem revelar-se inconstitucionais, por desatendimento à proporcionalidade em sentido estrito (...), quando a limitação imposta à esfera jurídica dos indivíduos, embora arrimada na busca do alcance de um objetivo protegido pela ordem jurídica, assume uma dimensão que inviabiliza o exercício de outros direitos e garantias individuais, igualmente assegurados pela ordem constitucional.
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Exemplo de sanção tributária claramente desproporcional em sentido estrito é a interdição de estabelecimento comercial ou industrial motivada pela impontualidade do sujeito passivo tributário relativamente ao cumprimento de seus deveres tributários. Embora contumaz devedor tributário, um sujeito passivo jamais pode ver aniquilado completamente o seu direito à livre iniciativa em razão do descumprimento do dever de recolher os tributos por ele devidos aos cofres públicos. O Estado deve responder à impontualidade do sujeito passivo com o lançamento e a execução céleres dos tributos que entende devidos, jamais com o fechamento da unidade econômica.
Neste sentido, revelam-se flagrantemente inconstitucionais as medidas aplicadas, no âmbito federal, em conseqüência da decretação do chamado ‘regime especial de fiscalização’. Tais medidas, pela gravidade das limitações que impõem à livre iniciativa econômica, conduzem à completa impossibilidade do exercício desta liberdade, negligenciam, por completo, o verdadeiro papel da fiscalização tributária em um Estado Democrático de Direito e ignoram o entendimento já consolidado do Supremo Tribunal Federal acerca das sanções indiretas em matéria tributária. Esta Corte, aliás, rotineiramente afasta os regimes especiais de fiscalização, por considerá-los verdadeiras sanções indiretas, que se chocam frontalmente com outros princípios constitucionais, notadamente com a liberdade de iniciativa econômica.” (grifei)

É por essa razão que EDUARDO FORTUNATO BIM, em excelente trabalho dedicado ao tema ora em análise (“A Inconstitucionalidade das Sanções Políticas Tributárias no Estado de Direito: Violação ao ‘Substantive Due Process of Law’ (Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade)”, “in” “Grandes Questões Atuais do Direito Tributário”, vol. 8/67-92, 83, 2004, Dialética), conclui, com indiscutível acerto, “que as sanções indiretas afrontam, de maneira autônoma, cada um dos subprincípios da proporcionalidade, sendo inconstitucionais em um Estado de Direito, por violarem não somente este, mas ainda o ‘substantive due process of law’” (grifei).

Cabe relembrar, neste ponto, consideradas as referências doutrinárias que venho de expor, a clássica advertência de OROSIMBO NONATO, consubstanciada em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (RE 18.331/SP), em acórdão no qual aquele eminente e saudoso Magistrado acentuou, de forma particularmente expressiva, à maneira do que já o fizera o Chief Justice JOHN MARSHALL, quando do julgamento, em 1819, do célebre caso “McCulloch v. Maryland”, que “o poder de tributar não pode chegar à desmedida do poder de destruir” (RF 145/164 – RDA 34/132), eis que – como relembra BILAC PINTO em conhecida conferência sobre “Os Limites do Poder Fiscal do Estado” (RF 82/547-562, 552) – essa extraordinária prerrogativa estatal traduz, em essência, “um poder que somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade” (grifei).

Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função tutelar do Poder Judiciário, investido de competência institucional para neutralizar eventuais abusos das entidades governamentais, que, muitas vezes deslembradas da existência, em nosso sistema jurídico, de um “estatuto constitucional do contribuinte”, consubstanciador de direitos e garantias oponíveis ao poder impositivo do Estado (Pet 1.466/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO, in “Informativo STF” nº 125), culminam por asfixiar, arbitrariamente, o sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, o exercício de atividades legítimas, o que só faz conferir permanente atualidade às palavras do Justice Oliver Wendell Holmes, Jr. (“The power to tax is not the power to destroy while this Court sits”), em “dictum” segundo o qual, em livre tradução, “o poder de tributar não significa nem envolve o poder de destruir, pelo menos enquanto existir esta Corte Suprema”, proferidas, ainda que como “dissenting opinion”, no julgamento, em 1928, do caso “Panhandle Oil Co. v. State of Mississippi Ex Rel. Knox” (277 U.S. 218).

Não se pode perder de perspectiva, portanto, em face do conteúdo evidentemente arbitrário da exigência estatal ora questionada na presente sede recursal, o fato de que, especialmente quando se tratar de matéria tributária, impõe-se ao Estado, no processo de elaboração (e de aplicação) das leis, a observância do necessário coeficiente de razoabilidade, pois, como se sabe, todas as normas emanadas do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do “substantive due process of law” (CF, art. 5º, LIV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 160/140-141 – RTJ 178/22-24, v.g.):

“O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.
O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do ‘substantive due process of law’ – acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
A norma estatal que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do ‘substantive due process of law’ (CF, art. 5º, LIV).
Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador.”
(RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Em suma: a prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte, pois este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos por este editados.

A análise dos autos evidencia que o acórdão proferido pelo E. Tribunal Regional Federal da 2ª Região diverge da orientação prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, reafirmada em diversos julgamentos emanados desta Corte (RE 413.782/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Pleno – RE 374.981/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 409.956/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RE 409.958/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 414.714/RS, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RE 424.061/RS, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 434.987/RS, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.).

Sendo assim, e considerando as razões expostas, peço vênia para conhecer e dar provimento ao presente recurso extraordinário, eis que também reconheço a inconstitucionalidade do art. 2º, inciso II, do Decreto-lei 1.593/77, acompanhando, em consequência, os doutos votos proferidos pelos eminentes Ministros GILMAR MENDES e MARCO AURÉLIO.

É o meu voto.

*acórdão publicado no DJe de 3.4.2014

Fonte: STF

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