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sábado, 28 de maio de 2016

Informativo 812 STF - 14 a 18 de dezembro de 2015

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

ECT - IMCS - Imunidade Tributária Recíproca (Transcrições)

ACO 2.654/DF*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

EMENTA: Imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, “a”). ICMS. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Empresa pública prestadora de serviço público. Reconhecimento, em seu favor, da prerrogativa constitucional da imunidade tributária recíproca, que traduz uma das projeções concretizadoras do princípio da Federação. Ação cível originária julgada procedente.
– A Constituição da República confere ao Supremo Tribunal Federal a posição eminente de Tribunal da Federação (CF, art. 102, I, “f”), atribuindo-lhe, nessa condição institucional, o poder de dirimir controvérsias cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Doutrina. Precedentes.
– A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), que é empresa pública, executa, como atividade-fim, serviço postal constitucionalmente outorgado, em regime de monopólio, à União Federal, qualificando-se, em razão de sua específica destinação institucional, como entidade delegatária dos serviços públicos a que se refere o art. 21, inciso X, da Lei Fundamental, o que exclui essa empresa governamental, em matéria de impostos (inclusive o ICMS), por efeito do princípio da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, “a”), do poder de tributar deferido aos entes políticos em geral. Precedentes.
– Consequente inexigibilidade, por parte do Distrito Federal, do ICMS referente às atividades de transporte de encomendas executadas pela ECT na prestação dos serviços públicos: serviço postal, no caso.

DECISÃO: Trata-se de “ação civil originária” que, ajuizada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT contra o Distrito Federal, objetiva ver reconhecida, com fundamento na garantia constitucional da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, “a”), a inexistência da obrigação jurídica de essa empresa pública federal recolher, por alegadamente inexigível, o ICMS instituído pela Lei Distrital nº 1.254/96, relativo ao serviço postal de encomendas.
A presente ação apoia-se, em síntese, nos fundamentos que se seguem (fls. 24/25):

“(...) vale destacar o resultado do ‘leading case’ RE nº 601.392 no sentido de que a imunidade tributária da ECT deve abarcar tanto os serviços tipicamente postais mencionados no art. 9º da Lei nº 6.538/78, quanto os demais serviços prestados pela ECT para fins de subsídios cruzados.
De toda forma, vale relembrar que constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, consoante dispõe o art. 7º da Lei nº 6.538/78.
Portanto, o encaminhamento de encomendas está dentro do âmbito de atividades principais da ECT, pois faz parte do conceito de serviço postal (art. 7º da Lei nº 6.538/78), não obstante se tratar de um serviço postal não exclusivo por estar fora do rol do art. 9º da Lei nº 6.538/76.
Nessa ordem de ideias, tem fundamento jurídico abrangido pelo entendimento dessa Corte ao julgar o ‘leading case’RE nº 601.392, pois, se as atividades correlatas e afins praticadas pela ECT gozam de imunidade tributária, com muito mais razão as atividades tipicamente postais (tais como o encaminhamento de encomendas etc.) também devem gozar desse benefício tributário.
Assim, os fundamentos de direito contidos no ‘decisum’ do ‘leading case’ RE nº 601.392, por si só, estão aptos e suficientes a incidirem sobre os fatos aqui discutidos, fazendo com que esta demanda seja de plano julgada favorável à ECT.” (grifei)

O Distrito Federal, ao apresentar contestação, expôs as seguintes razões de direito que – segundo sustenta – dão suporte à obrigação tributária ora questionada (fls. 814/816):

“(...) é correto entender que apenas as atividades exploradas em regime de monopólio pela União é que devem gozar de imunidade.
As atividades relacionadas no art. 9º da Lei nº 6.538/78 é que devem ser entendidas como serviços postais (em sentido estrito), distinguindo-se de toda uma série de outros serviços postais (em sentido amplo), também prestados pela ECT, os quais devem ser qualificados como atividades correlatas e atividades afins (art. 2º, § 1º) que são exploradas no âmbito do domínio econômico em ambiente de mercado.
Assim, o serviço de entrega de encomendas é atividade econômica (serviço de transporte) e não serviço público (serviço postal ‘stricto sensu’).
A entrega de encomendas, nesse contexto, enquadra-se perfeitamente na definição de serviço de transporte, não se constituindo em serviço postal em sentido estrito.
Se a ECT também faz entrega de encomendas, não o faz porque se trate de atividade monopolizada (art. 21, X, da Constituição Federal), mas de atividade correlata ou atividade afim (Lei nº 6.538, de 1978), que assume nítida feição econômica, não se caracterizando como prestação de serviço público.
Para o contratante dos serviços de entrega de encomendas prestados pela ECT não existe diferenciação entre os seus serviços e o daquele de transporte de cargas oferecidos pelas empresas transportadoras privadas.
Ao executar atividade de transportadora de bens, entrando no mercado e concorrendo com entidades de caráter privado, a ECT reclama mesmo tratamento tributário dispensado às empresas privadas do setor de transporte de mercadorias, sem qualquer tipo de privilégio.
A imunidade recíproca buscada pela ECT não pode ser deferida eis que ela é extensiva tão somente às Autarquias e às Fundações instituídas e mantidas pelo poder público, no que se refere ao patrimônio, renda ou serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou a delas decorrentes, não se aplicando à exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, na correta inteligência do art. 150 da Constituição Federal.
O serviço de transporte de encomenda da ECT é atividade econômica e o seu regime fiscal deve ser o mesmo aplicado às empresas privadas, que também realizam transporte de encomendas, sob o risco de violação frontal ao princípio constitucional da livre concorrência, verdadeiro limite à limitação ao poder de tributar em que consiste a imunidade tributária recíproca.
O Supremo Tribunal Federal é cioso no entendimento de que as regras constitucionais que tratam das imunidades não podem ser entendidas de maneira absoluta, impondo-se equilíbrio com outros princípios fundamentais da Constituição Federal, especialmente com o princípio da livre concorrência, previsto nos arts. 170, IV, e 173.
Não se pode permitir seja concedido privilégio no exercício de atividade econômica não monopolizada que configure desequilíbrio da concorrência.
A entrega de encomendas é atividade econômica (serviço de transporte) e não serviço público (serviço postal ‘stricto sensu’).
Como dito, quando a ECT faz a entrega de encomendas, não o faz porque se trate de atividade monopolizada (art. 21, X, da Constituição Federal), mas porque se trata de atividade correlata ou atividade afim (Lei nº 6.538/78), não se caracterizando como prestação de serviço público a autorizar a pretendida imunidade.
Sendo assim, esta atividade (entrega de encomendas) não se submete ao monopólio federal e deve ser considerada como atividade econômica, submetendo-se ao mesmo regime fiscal aplicado às empresas privadas concorrentes.” (grifei)

Registro que o eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, no exercício da Presidência desta Suprema Corte, deferiu o pedido de tutela antecipada formulado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT (fls. 839/843).
Reconhecida a regularidade formal da presente ação (fls. 917/918), determinei que se pronunciassem as partes em alegações finais, as quais só foram produzidas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT (fls. 920/970).
O Ministério Público Federal, em pronunciamento da lavra do eminente Chefe da Instituição, formulou parecer que está assim ementado (fls. 976):

“AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. COMPETÊNCIA. STF. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. ICMS.
1. Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar demanda tributária entre o Distrito Federal e empresa estatal que presta serviço público.
2. Serviço postal de competência exclusiva da União tem natureza de serviço público a teor do Decreto-Lei nº 509/69, da Lei nº 6.538/78 e do art. 21, X, da Constituição Federal.
3. Cabe a aplicação das regras da imunidade tributária recíproca a empresas públicas que prestam serviço público, especialmente as que desempenham atividade monopolizada, tal como a realizada pelos Correios e Telégrafos.
4. Parecer pela procedência do pedido.” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pleito ora formulado. E, ao fazê-lo, observo que os elementos produzidos nesta sede processual revelam-se suficientes para justificar o acolhimento da pretensão deduzida pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT.
Com efeito, tenho para mim que a resolução do presente litígio há de resultar do reconhecimento, na espécie, de que a pretensão impositiva do Distrito Federal, particularmente em tema de ICMS (tributo cuja exigibilidade está sendo questionada no caso), sofre as limitações decorrentes da garantia da imunidade tributária recíproca, que traduz projeção concretizadora do postulado constitucional da Federação.
É importante pôr em destaque, neste ponto, a própria razão de ser da cláusula que instituiu a imunidade tributária recíproca.
Sabemos que a Constituição do Brasil, ao institucionalizar o modelo federal de Estado, perfilhou, a partir das múltiplas tendências já positivadas na experiência constitucional comparada, o sistema do federalismo de equilíbrio, cujas bases repousam na necessária igualdade político-jurídica entre as unidades que compõem o Estado Federal.
Desse vínculo isonômico, que parifica as pessoas estatais dotadas de capacidade política, deriva, como uma de suas consequências mais expressivas, a vedação – dirigida a cada um dos entes federados – de instituição de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços uns dos outros, bem assim de suas instrumentalidades administrativas, como esta Suprema Corte vem decidindo a respeito de semelhante questão.
A imunidade tributária recíproca – consagrada pelas sucessivas Constituições republicanas brasileiras – representa um fator indispensável à preservação institucional das próprias unidades integrantes do Estado Federal, constituindo, ainda, importante instrumento de manutenção do equilíbrio e da harmonia que devem prevalecer, como valores essenciais que são, no plano das relações político-jurídicas fundadas no pacto da Federação.
A concepção de Estado Federal que prevalece em nosso ordenamento positivo impede – especialmente em função do papel que incumbe a cada unidade federada desempenhar no seio da Federação – que qualquer delas institua impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços tanto das demais pessoas políticas quanto das respectivas pessoas administrativas, quando criadas para executar, mediante outorga, serviços públicos constitucionalmente incluídos na esfera orgânica de competência das entidades governamentais.
Cumpre ter presente, no processo de indagação das razões políticas subjacentes à previsão constitucional da imunidade tributária recíproca, precisamente, a preocupação do legislador constituinte de inibir, pela repulsa à submissão fiscal de uma entidade federada a outra, qualquer tentativa que, concretizada, possa, em última análise, inviabilizar o próprio funcionamento da Federação.
Impende registrar, por relevante, que a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou no exame da questão subjacente à presente causa (AI 748.076-AgR/MG, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – ARE 840.394/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 241.792/MS, Rel. Min. AYRES BRITTO – RE 354.897/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RE 396.477/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES – RE 407.099/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RE 424.227/SC, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – RE 524.615-AgR/BA, Rel. Min. EROS GRAU – RE 552.736-AgR/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 601.392/PR, Red. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES – RE 610.517-AgR/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 773.992/BA, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, v.g.) confere suporte legitimador à pretensão deduzida pela ECT, que busca ver reconhecida a sua imunidade tributária recíproca em relação a impostos, como o ICMS, na linha de precedentes específicos existentes a respeito dessa particular modalidade tributária (ACO 865/DF, Rel. Min. LUIZ FUX – ACO 958/DF, Rel. Min. LUIZ FUX – ACO 1.331-AgR/GO, Rel. Min. LUIZ FUX – ACO 1.454/PB, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – ACO 2.089/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 582.529/PR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):

“Agravo Regimental em Ação Cível Originária. 2. Decisão que deferiu o pedido de tutela antecipada, nos termos do RE 407.099-5/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 6.8.2004. 3. Suspensão da exigibilidade da cobrança de ICMS sobre o serviço de transporte de encomendas realizado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. 4. Este Tribunal possui firme entendimento no sentido de que a imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, ‘a’, da CF, estende-se à ECT (ACO-AgRg 765-1/RJ, Relator para o acórdão Min. Joaquim Barbosa, Informativo STF nº 443). 5. A controvérsia sobre a natureza jurídica e a amplitude do conceito dos serviços postais prestados pela ECT está em debate na ADPF n. 46. 6. Agravo Regimental desprovido.”
(ACO 1.095-MC-AgR/GO, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉFRAGOS – ECT. NÃO INCIDÊNCIA DE IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS SOBRE TRANSPORTE DE ENCOMENDAS: DEFINIÇÃO DE SERVIÇOS POSTAIS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. ACÓRDÃO RECORRIDO CONSOANTE A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.”
(RE 868.853/PR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei)

Cabe destacar, ainda, julgamento plenário desta Suprema Corte que, ao dirimir controvérsia instaurada entre a ECT, autora da presente ação, e o Estado de Pernambuco, reafirmou a sua orientação no sentido do reconhecimento da imunidade tributária recíproca em favor dessa empresa pública, afastando, em precedente específico inteiramente aplicável ao caso ora em exame, a possibilidade de incidência do ICMS, tributo estadual, sobre o serviço postal de encomendas realizado pela referida pessoa administrativa:

“Recurso extraordinário com repercussão geral. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Peculiaridades do Serviço Postal. Exercício de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com particulares. Irrelevância. ICMS. Transporte de encomendas. Indissociabilidade do serviço postal. Incidência da Imunidade do art. 150, VI, ‘a’, da Constituição. Condição de sujeito passivo de obrigação acessória. Legalidade.
1. Distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade econômica.
2. As conclusões da ADPF 46 foram no sentido de se reconhecer a natureza pública dos serviços postais, destacando-se que tais serviços são exercidos em regime de exclusividade pela ECT.
3. Nos autos do RE nº 601.392/PR, Relator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, ficou assentado que a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, CF, deve ser reconhecida à ECT, mesmo quando relacionada às atividades em que a empresa não age em regime de monopólio.
4. O transporte de encomendas está inserido no rol das atividades desempenhadas pela ECT, que deve cumprir o encargo de alcançar todos os lugares do Brasil, não importa o quão pequenos ou subdesenvolvidos.
5. Não há comprometimento do ‘status’ de empresa pública prestadora de serviços essenciais por conta do exercício da atividade de transporte de encomendas, de modo que essa atividade constitui ‘conditio sine qua non’ para a viabilidade de um serviço postal contínuo, universal e de preços módicos.
6. A imunidade tributária não autoriza a exoneração de cumprimento das obrigações acessórias. A condição de sujeito passivo de obrigação acessória dependerá única e exclusivamente de previsão na legislação tributária.
7. Recurso extraordinário do qual se conhece e ao qual se dá provimento, reconhecendo a imunidade da ECT relativamente ao ICMS que seria devido no transporte de encomendas.”
(RE 627.051/PE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – grifei)

Como se sabe, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), que é empresa pública, executa, como atividade-fim, serviço postal constitucionalmente outorgado, em regime de monopólio, à União Federal, qualificando-se, em razão de sua específica destinação institucional, como entidade delegatária dos serviços públicos a que se refere o art. 21, inciso X, da Lei Fundamental, o que exclui essa empresa governamental, em matéria de impostos (inclusive o ICMS), por efeito do princípio da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, “a”), do poder de tributar deferido aos entes políticos em geral.
Vale ressaltar, neste ponto, o magistério da doutrina (IVES GANDRA DA SILVA MARTINS “O Tratamento Tributário Constitucional dos Correios e Telégrafos”, “in” “As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo”, p. 01/17, 2002, América Jurídica; CARLOS SOARES SANT’ANNA, “Imunidade de Empresas Públicas Prestadoras de Serviços Públicos”, “in” “Imunidade Tributária”, obra coletiva, p. 43/54, 2005, MP Editora; JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, “Manual de Direito Administrativo”, p. 848/849, item n. 4, 12ª ed., 2005, Lumen Juris; ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “A Imunidade Tributária das Empresas Estatais Delegatárias de Serviços Públicos”, p. 38/48, 2004, Malheiros; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 702/705, 30ª ed., 2013, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 640/641, item n. 3.1, 32ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2006, Malheiros, v.g.), cujas lições acentuam – mesmo tratando-se de empresas governamentais prestadoras de serviços públicos – a estatalidade das atividades por elas exercidas em regime de delegação pertinente a serviços constitucionalmente monopolizados pelo Poder Público (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 803/806, item n. 14, 34ª ed., 2011, Malheiros, v.g.), valendo referir, ante a pertinência de suas observações, o preciso entendimento de REGINA HELENA COSTA (“Imunidades Tributárias – Teoria e Análise da Jurisprudência do STF”, p. 157/158, item n. 2.1.6, 3ª ed., 2015, Malheiros):

“Inicialmente, analisemos a situação da empresa estatal – empresa pública ou sociedade de economia mista – que recebeu a outorga, por meio de lei, da prestação de serviço público cuja competência pertence à pessoa política que a criou.
Tais pessoas detêm personalidade de Direito Privado e compõem a Administração Pública Indireta ou Descentralizada. Têm sua criação autorizada, sempre por lei (art. 37, XIX, da CF), para desempenhar atividade de natureza econômica, a título de intervenção do Estado no domínio econômico (art. 173 da CF) ou como serviço público assumido pelo Estado (art. 175 da CF).
Recebendo tais entes o encargo de prestar serviço público – consoante a noção exposta –, o regime de sua atividade é o de Direito Público, o que inclui, entre outras prerrogativas, o direito à imunidade tributária.
O raciocínio resume-se no seguinte: se o serviço público for prestado diretamente pela pessoa política estará, indubitavelmente, imunidade à tributação por via de impostos. Ora, a mera delegação da execução desse serviço público, pela pessoa que é titular da competência para prestá-lo à coletividade, por meio de lei, a uma empresa por ela instituída – empresa pública ou sociedade de economia mista –, que se torna delegatária do serviço, não pode, portanto, alterar o regime jurídico – inclusive tributário – que incide sobre a mesma prestação.
A descentralização administrativa, como expediente destinado a garantir maior eficiência na prestação de serviços públicos (art. 37, ‘caput’, da CF), não tem o condão de alterar o tratamento a eles dispensado, consagrador da exoneração tributária concernente a impostos.” (grifei)

Diversa não é a percepção do tema revelada, em douto magistério, por ROQUE ANTONIO CARRAZZA (“Curso de Direito Constitucional Tributário”, p. 798/801, 27ª ed., 2011, Malheiros):

“Aprofundando o assunto, as empresas estatais, quando delegatárias de serviços públicos ou de atos de polícia – e que, portanto, não exploram atividades econômicas –, não se sujeitam à tributação por meio de impostos, justamente porque são a ‘longa manus’ das pessoas políticas que, por meio de lei, as criam e lhes apontam os objetivos públicos a alcançar.
A circunstância de serem revestidas da natureza de ‘empresa pública’ ou de ‘sociedade de economia mista’ não lhes retira a condição de ‘pessoas administrativas’, que agem em nome do Estado, para a consecução do bem comum.
Valem, a respeito, as observações do mesmo mestre Geraldo Ataliba: ‘Há delegação (o que só cabe por decisão legislativa) quando a pessoa política (União, Estado ou Município) cria uma entidade sob forma de empresa (pública ou mista) e a incumbe de prestar um serviço público. Assim, a empresa estatal é delegada e (na forma da lei) exerce serviço público próprio da entidade política cuja lei a criou’.
.......................................................................................................
Muito bem, as pessoas administrativas delegatárias de serviços públicos ou do poder de polícia titularizam interesses públicos, que lhes dão grande cópia de prerrogativas, inclusive no que concerne à tributação, a elas se aplicando, por inteiro, a imunidade do art. 150, VI, ‘a’, da CF.
Sendo mais específicos, tais pessoas, enquanto, no exercício de suas funções típicas, auferem rendimentos, são imunes ao IR e aos demais tributos que incidem sobre lucros, receitas, rendimentos etc.; enquanto proprietárias dos imóveis que lhes dão ‘base material’ para o desempenho de suas atividades típicas, são imunes ao IPTU; enquanto proprietárias de veículos automotores utilizados na prestação dos serviços públicos ou na prática de atos de polícia, são imunes ao IPVA; e assim avante.
Remarque-se que a circunstância de estas pessoas terem personalidade de direito privado não impede recebam especial proteção tributária, justamente para possibilitar a prestação de serviços públicos ou a prática de atos de polícia.
Reforçando estas idéias, é ponto bem averiguado que algumas atividades só podem ser exploradas pelo Estado, entre nós representado pelas pessoas políticas (a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal). É que a Constituição entendeu que elas são tão essenciais ou dizem tão de perto com a soberania nacional, que não convém naveguem ao sabor da livre concorrência.
De fato, embora entre nós vigore o regime da livre iniciativa, aos particulares – e, por extensão, às empresas privadas – não é dado imiscuir-se em determinados assuntos. Quais assuntos? Basicamente os adnumerados nos arts. 21, 25, 30 e 32 da CF, que tratam, respectivamente, das competências administrativas da União, dos Estados-membros, dos Municípios e do Distrito Federal.
.......................................................................................................
Os particulares só ingressam no campo reservado aos serviços públicos ou aos atos de polícia quando contratados pelo Estado, segundo as fórmulas da concessão e permissão. Mas, mesmo quando isto acontece, o Estado não se desonera do dever e da titularidade de supervisioná-los. Afinal, os serviços e os atos de polícia continuam públicos. Não migram, por força da concessão ou da permissão, para as hostes do direito privado.
O que estamos querendo significar é que, do mesmo modo em que há um campo reservado à livre iniciativa (art. 170 da CF), há um outro reservado à atuação estatal (art. 175 da CF).
.......................................................................................................
Quando, porém, a empresa pública ou a sociedade de economia mista são delegatárias de serviços públicos ou de poder de polícia, elas, por não concorrerem com as empresas privadas, não se sujeitam aos ditames do precitado art. 173.
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Podemos, pois, dizer que, neste caso, as sociedades de economia mista e as empresas públicas, pelas atribuições delegadas de poder público que exercitam, são, ‘tão-só quanto à forma’, pessoas de direito privado. ‘Quanto ao fundo’ são instrumentos do Estado, para a prestação de serviços públicos ou a prática de atos de polícia. Acabam fazendo as vezes das autarquias, embora – damo-nos pressa em proclamar – com elas não se confundam.
Neste sentido, enquanto atuam como se pessoas políticas fossem, as empresas públicas e as sociedades de economia mista não podem ter embaraçada ou anulada sua ação pública por meio de impostos. Esta é a conseqüência de uma interpretação sistemática do art. 150, VI, ‘a’, da CF.
Não se deve distinguir entre a empresa estatal e a pessoa política que a instituiu, mas, simplesmente, se a hipótese de incidência (fato gerador ‘in abstracto’) do imposto provém da prestação de serviços públicos ou do exercício do poder de polícia, isto é, de atividades de competência governamental. Em caso afirmativo, são, s.m.j., alcançadas pelos benefícios do art. 150, VI, ‘a’, da CF.” (grifei)

Em suma: tenho para mim que os fundamentos subjacentes à presente “ação civil originária” ajustam-se aos critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria ora em exame e, especificamente, em tema de ICMS, tal como assinalou, em recentíssimo julgamento que versou litígio em tudo idêntico ao veiculado nesta causa, a eminente Ministra ROSA WEBER (ACO 1.095/GO), em decisão cujo teor reflete, com absoluta fidelidade, o entendimento desta Suprema Corte a propósito da abrangência do ICMS pela cláusula constitucional da imunidade tributária recíproca:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ESTADO QUE NOTIFICOU A ECT PARA RECOLHIMENTO DE ICMS. INCIDÊNCIA DA IMUNIDADE RECÍPROCA ÀS EMPRESAS PÚBLICAS PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A ECT, atuando como empresa pública prestadora de serviço público, está albergada pela imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, ‘a’, do texto constitucional. Precedentes.
2. No julgamento da ADPF 46, o Supremo Tribunal Federal afirmou o entendimento de que o serviço postal, prestado pela ECT em regime de exclusividade, não consubstancia atividade econômica estrita, constituindo modalidade de serviço público.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.”
(ACO 1.331-AgR/GO, Rel. Min. LUIZ FUX – grifei)

Registro, finalmente, considerado o conteúdo da presente decisão, que assiste ao Ministro Relator, no exercício dos poderes processuais de que dispõe, competência plena para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos a esta Corte, legitimando-se, em consequência, os atos decisórios que nessa condição venha a praticar (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175 – RTJ 185/581-582 – RTJ 187/576, v.g.), notadamente em situações como esta, em que há expressa delegação de competência outorgada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal ao Relator da causa (ACO 765/RJ).
Nem se alegue que esse preceito legal implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 302.839-AgR/GO, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.):

“– O reconhecimento dessa competência monocrática deferida ao Relator da causa não transgride o postulado da colegialidade, pois sempre caberá, para os órgãos colegiados do Supremo Tribunal Federal (Plenário e Turmas), recurso contra as decisões singulares que venham a ser proferidas por seus Juízes.”
(MS 28.097-AgR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Sendo assim, em face das razões expostas, e considerando, ainda, a existência de precedentes específicos, em tudo aplicáveis ao caso ora em exame (RE 357.291-AgR/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO – RE 460.198/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 599.237/PR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, v.g.), julgo procedente, nos termos em que formulada, a presente “ação civil originária”, para declarar a inexistência “(…) de relação jurídico-tributária entre a ECT e o DISTRITO FEDERAL quanto ao tributo em questão e, via de consequência, anular o Auto de Infração nº 12.126/2008 quanto à obrigação principal, bem como quanto à multa decorrente do não cumprimento da obrigação principal, além da anulação da multa quanto ao não cumprimento da obrigação acessória e os juros de mora” (fls. 61 – grifei).
Arbitro os honorários advocatícios em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), que serão pagos pelo Distrito Federal, parte que sucumbiu integralmente, observando, para tanto, a regra inscrita no art. 20, § 4º, do CPC (ACO 797/DF, Rel. Min. EROS GRAU – ACO 841/ES, Rel. Min. ROSA WEBER – ACO 851/GO, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – ACO 1.331/GO, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.).

Comunique-se.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.

Brasília, 23 de novembro de 2015.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

decisão republicada no DJe de 3.12.2015

Fonte: STF

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