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domingo, 30 de abril de 2017

Informativo 841 STF - 26 a 30 de setembro de 2016

PLENÁRIO

ISSQN e redução da base de cálculo
É inconstitucional lei municipal que veicule exclusão de valores da base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) fora das hipóteses previstas em lei complementar nacional. Também é incompatível com o texto constitucional medida fiscal que resulte indiretamente na redução da alíquota mínima estabelecida pelo art. 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a partir da redução da carga tributária incidente sobre a prestação de serviço na territorialidade do ente tributante.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, conheceu em parte de arguição de descumprimento de preceito fundamental, converteu o exame do referendo da cautelar em julgamento de mérito e, na parte conhecida, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 190, § 2º, II; e 191, § 6º, II, e § 7º, da Lei 2.614/1997, do Município de Estância Hidromineral de Poá, Estado de São Paulo.

No caso, a lei impugnada excluiu da base de cálculo do ISSQN os seguintes tributos federais: a) Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ); b) Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL); c) Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep); e d) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Preliminarmente, o Tribunal, por decisão majoritária, reconheceu violação ao preceito fundamental da forma federativa de Estado em sua respectiva dimensão fiscal. Verificou, ainda, a presença do requisito da subsidiariedade, uma vez que não se vislumbra qualquer outra ação constitucional com aptidão para evitar lesão ao preceito supracitado.

Reputou que a arguição não poderia ser conhecida em sua inteireza, pois a autora apenas apresentou impugnação específica dos arts. 190, § 2º, II; e 191, § 6º, II, e § 7º, da Lei 2.614/1997 do Município de Poá. Os demais dispositivos apontados não deveriam ser conhecidos, diante da patente ausência de fundamentação jurídica. Além disso, a Corte afirmou que a ação estava perfeitamente aparelhada para o julgamento definitivo da controvérsia, com as informações prestadas, sendo desnecessário revisitar a matéria novamente.

O ministro Marco Aurélio ficou vencido quanto a essas preliminares. Manifestou-se pela inadequação da via eleita. Para ele, o fato de um Município disciplinar a base de cálculo do ISSQN, tendo em conta o que entenda como receita bruta, não põe em risco o pacto federativo. Ademais, teria sido ajuizada ação direta de inconstitucionalidade contra a referida norma municipal perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Assim, não se teria observado o art. 4º, § 1º, da Lei 9.882/1999 (“Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”). Por fim, concluiu que a ADPF foi incluída em pauta com antecedência mínima de cinco dias úteis, como preconizado pelo novo Código de Processo Civil, para apreciar-se tão somente a liminar implementada pelo relator e não para chegar-se ao exame definitivo. Dessa forma, o processo não estaria aparelhado para julgamento.

Quanto ao mérito, a Corte constatou vícios de inconstitucionalidade formal e material, a partir de dois argumentos centrais: a usurpação da competência da União para legislar sobre normas gerais em matéria de legislação tributária e a ofensa à alíquota mínima estabelecida para o tributo em questão pelo poder constituinte no art. 88 do ADCT.

O Plenário enfatizou que a lei municipal não poderia definir base de cálculo de imposto, visto tratar-se de matéria reservada à lei complementar, conforme preceitua o art. 146, III, “a”, da CF (“Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”).

Na hipótese, a lei impugnada estabelece que o ISSQN incide sobre o preço do serviço, o que exclui os tributos federais relativos à prestação de serviços tributáveis e o valor do bem envolvido em contratos de arrendamento mercantil. Assim, ao cotejar a lei atacada, o Decreto-Lei 406/1968 e a Lei Complementar 116/2003, percebe-se a invasão de competência por parte do Município em relação às competências da União, o que caracteriza vício formal de inconstitucionalidade.

No âmbito da inconstitucionalidade material, também haveria violação ao art. 88, I e II, do ADCT, incluído pela EC 37/2002. Tal normativo fixou alíquota mínima para os fatos geradores do ISSQN, assim como vedou a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resultasse, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida. Logo, a norma impugnada representa afronta direta ao mencionado dispositivo constitucional, pois reduz a carga tributária incidente sobre a prestação de serviço a um patamar vedado pelo poder constituinte.

O ministro Marco Aurélio ficou vencido quanto ao mérito. Para ele, a lei municipal apenas explicitou a base de incidência de tributo da respectiva competência normativa.

Por fim, o Tribunal deliberou que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade teriam como marco inicial a data do deferimento da cautelar.
ADPF 190/SP, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 29-9-2016.



Administração de planos de saúde e incidência de ISSQN - 3
As operadoras de planos privados de assistência à saúde (plano de saúde e seguro-saúde) prestam serviço sujeito ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), previsto no art. 156, III, da CF.

Esse é o entendimento do Plenário, que, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a incidência da referida exação relativamente às atividades de administração de planos de saúde.

No caso, segundo o acórdão recorrido, seria possível a incidência de ISSQN sobre a referida atividade. Afinal, não se resumiria a repasses de valores aos profissionais conveniados, mas configuraria real obrigação de fazer em relação aos usuários, não se podendo negar a existência de prestação de serviço. Sustentava-se a existência de violação aos arts. 153, V, e 156, III, da CF. Somado a isso, ressaltava que a principal atividade das empresas de seguro consistiria em obrigação de dar, e não de fazer, o que afastaria a incidência do tributo — v. Informativo 830.

O Colegiado afirmou que o aspecto primordial para a compreensão da incidência do ISSQN encontra-se no enquadramento do conceito de “serviço”. Apenas as atividades assim classificadas — à luz da materialidade constitucional do mencionado conceito (CF, art. 156, III) — seriam passíveis de atrair a obrigatoriedade do imposto, previsto na Lei Complementar 116/2003. Nesse sentido, o STF, no julgamento do RE 547.245/SC (DJE de 5-3-2010), entendera não haver, na matéria, um primado do Direito Privado; pois, sem dúvida, seria viável que o Direito Tributário — e primordialmente o Direito Constitucional Tributário — adotasse conceitos próprios. Desse modo, a possibilidade de o Direito Tributário elaborar conceitos específicos decorreria, em última análise, do fato de ser direito positivo. Assim, os conceitos conotados por seus enunciados poderiam identificar-se com aqueles consagrados em dispositivos já vigentes, embora essa identidade não seja imprescindível. Nem mesmo a necessidade de proceder-se à exegese rigorosamente jurídica do texto constitucional implicaria a inexorável incorporação, pela Constituição, de conceitos infraconstitucionais.

Com efeito, o art. 110 do Código Tributário Nacional (CTN) (“A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”) não veicula norma de interpretação constitucional. Não seria possível elaborar interpretação autêntica da Constituição a partir do legislador infraconstitucional, na medida em que esse não poderia balizar ou direcionar o intérprete do próprio texto constitucional. O referido dispositivo do CTN não tem a amplitude conferida por sua interpretação literal.

Nesse sentido, legislação infraconstitucional não poderia alterar qualquer conceito jurídico —do Direito Privado ou não — ou extrajurídico — da Economia ou de qualquer ramo do conhecimento — utilizado pelo constituinte para definir competências tributárias. Portanto, ainda que a contraposição entre obrigações de dar e de fazer para dirimir o conflito de competência entre o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) fosse utilizada no âmbito do Direito Tributário, novos critérios de interpretação progressivamente teriam ganhado espaço.

O Tribunal asseverou, ainda, que a chamada “Constituição Tributária” deve ser interpretada de acordo com o pluralismo metodológico, abrindo-se para a interpretação segundo variados métodos, desde o literal até o sistemático e teleológico. Por isso, os conceitos constitucionais tributários não são fechados e unívocos, devendo-se recorrer também aos aportes de ciências afins para a sua exegese, como a Ciência das Finanças, a Economia e a Contabilidade. Dessa sorte, embora os conceitos de Direito Civil exerçam papel importante na interpretação dos conceitos constitucionais tributários, eles não exaurem a atividade interpretativa, conforme assentado no julgamento do precedente acima referido.

A doutrina é uníssona no sentido de que a Constituição, ao dividir as competências tributárias, valera-se eminentemente de tipos, e não de conceitos. Portanto, os elencos dos arts. 153, 155 e 156 da CF consistem em tipos; pois, do contrário, o emprego de lei complementar seria desnecessário para dirimir conflitos de competência, consoante a previsão do art. 146, I, da CF. Apesar de a Constituição usar de linguagem tipológica e potencialmente aberta, esse posicionamento jurídico não conduz a que a lei complementar possa dispor livremente sobre os impostos previstos na Constituição. No entanto, a lista de serviços veiculada pela LC 116/2003 tem caráter taxativo, contraponto ao conceito econômico de serviços, que possui razoável abertura semântica.

Essa contraposição confere segurança jurídica ao sistema, num país onde se decidiu atribuir competência tributária aos Municípios. Consequentemente, o STF, no julgamento do RE 547.245/SC, ao permitir a incidência do ISSQN nas operações de “leasing” financeiro e “leaseback”, sinalizou que a interpretação do conceito de “serviços” no texto constitucional tem um sentido mais amplo do o conceito de “obrigação de fazer”. Portanto, “prestação de serviços” não tem por premissa a configuração dada pelo Direito Civil. É conceito relacionado ao oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades imateriais, prestado com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugado ou não à entrega de bens ao tomador.

Igualmente e tendo em conta as premissas expostas, a natureza jurídica securitária alegada pelas operadoras de planos de saúde para infirmar a incidência do ISSQN não indica fundamento capaz de afastar a cobrança do tributo no caso. Diferentemente dos seguros-saúde, nos planos de saúde, a garantia oferecida é somente a utilidade obtida mediante a contratação do respectivo plano, o que não exclui o fato de as atividades por elas desempenhadas — operadoras de plano de saúde e operadoras de seguro-saúde — serem “serviço”. Nesse sentido, o ISSQN deve incidir sobre a comissão, assim considerada a receita auferida sobre a diferença entre o valor recebido pelo contratante e o repassado para os terceiros prestadores dos serviços médicos.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso. Para ele, não incidiria ISSQN nas atividades desenvolvidas pelas operadoras de plano de saúde na intermediação entre o usuário e os profissionais de saúde, ante a inexistência de obrigação de fazer (prestação de serviço médico ou hospitalar).

RE 651703/PR, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 29-9-2016.




Fonte: STF


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