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domingo, 12 de fevereiro de 2017

Informativo 832 STF - 27 de junho a 1º de julho de 2016

PLENÁRIO

ADI: projeto de leis orçamentárias e princípio da separação de Poderes - 1
Salvo em situações graves e excepcionais, não cabe ao Poder Judiciário, sob pena de violação ao princípio da separação de Poderes, interferir na função do Poder Legislativo de definir receitas e despesas da Administração Pública, emendando projetos de leis orçamentárias, quando atendidas as condições previstas no art. 166, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, reputou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face da Lei 13.255/2016 (Lei Orçamentária Anual), na parte em que prevê o orçamento da Justiça do Trabalho. Referida norma, ao estimar a receita e fixar a despesa da União para o exercício financeiro de 2016, estabelece corte da ordem de 90% nas despesas de investimento e de 24,9% nas despesas de custeio daquela justiça especializada. Preliminarmente, por maioria, o Colegiado reconheceu preenchidos os requisitos de pertinência temática e de legitimidade ativa “ad causam” da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Vencido o Ministro Marco Aurélio, que assentava a ilegitimidade da autora para a propositura da ação por entender ausente o interesse direto da categoria congregada. No mérito, o Tribunal enfatizou, de início, o papel de relevo da magistratura do trabalho no cenário da prestação jurisdicional do País. Assentou que não se estaria a discutir o legítimo controle pelo chefe do Poder Executivo quanto à proposta orçamentária da Justiça do Trabalho, mas a legitimidade da avaliação efetuada pelo Poder Legislativo federal. Em outras palavras, estar-se-ia a analisar se a fundamentação constante do relatório final da Comissão Mista de Planos e Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional teria sido elemento suficiente para inquinar a validade da redução das dotações orçamentárias destinadas ao segmento judicial trabalhista. Dessa forma, compreendidas as funções institucionais e constitucionais que o princípio da separação funcional dos Poderes proporciona ao Estado Democrático de Direito, a atividade de fixar e definir o orçamento constituiria típica atribuição do Poder Legislativo.










ADI: projeto de leis orçamentárias e princípio da separação de Poderes - 2
Para a Corte, ainda que o texto constitucional tenha reservado a iniciativa do processo legislativo ao Poder Judiciário, não haveria vedação absoluta, sob o ponto de vista formal, para que o controle fosse realizado pelo Poder Legislativo. A jurisdição constitucional não deteria capacidade institucional e não poderia empreender, no controle abstrato, a tarefa de coordenação entre o planejamento plurianual e as leis de diretrizes orçamentárias. Ao reconhecer a possibilidade de o Poder Legislativo emendar proposições da lei orçamentária (CF, art. 166 e parágrafos), a Constituição teria estabelecido suas condicionantes. E o Poder Legislativo deteria titularidade e legitimidade institucional para debater a proposta orçamentária consolidada pelo chefe do Poder Executivo, com a especificação de valores e dotações a serem destinadas às múltiplas atividades estatais. Nesse ponto, frisou que o ato complexo de elaboração conjunta significa que o Poder Judiciário envia sua proposta, o Poder Executivo a consolida e o Poder Legislativo a arbitra. Não haveria, portanto, afronta à separação de Poderes. Assinalou que as normas procedimentais quanto ao processo legislativo teriam sido atendidas, observada a iniciativa da proposição com respeito formal à autonomia administrativa e financeira da Justiça do Trabalho. O Plenário rejeitou, ainda, a alegação de suposta ofensa à divisão funcional de Poder, uma vez que a autonomia orçamentária do Poder Judiciário também teria sido respeitada. Reputou que o STF admitiria o controle material das espécies legislativas orçamentárias, o que corresponderia a uma tendência recente na jurisprudência da Corte. Destacou que o Colegiado teria acentuado a possibilidade de controle abstrato de constitucionalidade de normas orçamentárias (ADI 4.048 MC/DF, DJe de 22.8.2008). Enfatizou que, embora a fundamentação apresentada no relatório final da Comissão Mista de Planos e Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional ostente motivação ideológica enviesada, esse ato, “per si”, não vincularia os parlamentares das Casas Legislativas do parlamento federal.

ADI: projeto de leis orçamentárias e princípio da separação de Poderes - 3
Segundo o Colegiado, ainda quando se avalia cada um dos subprincípios da proporcionalidade — necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito —, a redução do orçamento público destinado a órgãos e programas orçamentários em decorrência de contexto de crise econômica e fiscal não configuraria abuso do poder legislativo. Assentou não terem sido demonstrados excessos quanto às modificações realizadas em matéria de programação orçamentária, as quais seriam dependentes do conteúdo socioeconômico do País em dado momento histórico. Afastou, por conseguinte, as alegações de que a atuação parlamentar relativamente às dotações da justiça do trabalho teriam seriam discriminatórias, uma vez que o discrímen legislativo seria compatível com a sistemática constitucional vigente. O Tribunal reputou, ainda, não merecer acolhida a assertiva de que a norma estaria em desconformidade com o plano plurianual (PPA) que, entre suas diretrizes preveria a promoção do emprego com garantia de direitos trabalhistas e o fortalecimento das relações de trabalho. Asseverou que, no debate parlamentar acerca das dotações destinadas à justiça do trabalho teriam sido observados os requisitos procedimentais e substanciais. Por sua vez, a análise da desconformidade, ou não, da LOA 2016 com o plano plurianual não imporia a atuação do STF, considerada a tessitura aberta prevista na Constituição (“Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum. ... § 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;”).

ADI: projeto de leis orçamentárias e princípio da separação de Poderes - 4
A Corte salientou não ter verificado abusividade na atuação do Poder Legislativo. Além disso, a função de definir receitas e despesas do aparato estatal seria uma das mais tradicionais e relevantes dentre os poderes constituídos e deveria ser preservada pelo Poder Judiciário, sob pena de indevida e ilegítima tentativa de esvaziamento de típica função parlamentar. Ademais, não haveria impedimentos a ajustes nas dotações da Justiça do Trabalho ainda nesse exercício financeiro, haja vista que a Constituição também possibilita a autorização de crédito suplementar ou especial durante a execução da lei orçamentária (“Art. 99 ... § 5º. Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais”). Por fim, concluiu que o Tribunal deveria estar atento às singularidades institucionais do aparato estatal brasileiro, que se estruturaria a partir de premissas mínimas de programação orçamentária, para permitir que os serviços públicos e as funções estatais típicas possam ser desempenhadas com regularidade, continuidade e adequação, sempre em consonância com as demandas sociais e institucionais submetidas à Corte.

ADI: projeto de leis orçamentárias e princípio da separação de Poderes - 5
Vencidos os Ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski (Presidente) e Rosa Weber, que julgavam o pedido procedente. O Ministro Presidente entendia haver vício na motivação que teria levado os parlamentares a promoverem corte desarrazoado e desproporcional em relação aos demais Poderes. Realçava que a Justiça do Trabalho estaria sendo discriminada num contexto em que se prega a flexibilização dos direitos sociais e a remessa das disputas trabalhistas para uma solução privada. O Ministro Celso de Mello reconhecia que a manipulação do processo de formação, elaboração e execução da Lei Orçamentária Anual poderia atuar como instrumento de dominação de outros Poderes da República por aquele encarregado da gestão da peça orçamentária. Isso poderia culminar em um estado de submissão financeira e de subordinação orçamentária incompatível com a autonomia que a própria Constituição outorgou. Apontava que não se questiona a exclusividade do poder de iniciativa do chefe do Poder Executivo em matéria orçamentária ou a atribuição do Poder Legislativo de elaborar a legislação orçamentária, mas sim, se o Congresso Nacional, no desempenho formal dessa atribuição que a Constituição lhe confere pode ou não formular provimentos legislativos eventualmente deformados quanto ao seu conteúdo pela eiva do caráter arbitrário de suas disposições. Destacava que a competência legislativa não teria caráter absoluto, não poderia ser exercida de modo excessivo, arbitrário ou irresponsável, sob pena de se subverter os fins a que se dirige a função legislativa. Registrava que um dos efeitos perversos do abuso do poder de legislar, em especial no plano da legislação orçamentária, consistiria em sua projeção negativa e lesiva sobre a integridade dos mecanismos institucionais de proteção jurisdicional, com grave repercussão sobre o exercício de direitos essenciais e de liberdades fundamentais, especialmente no campo delicado dos direitos sociais da classe trabalhadora. Asseverava que de nada valeriam os direitos e as liberdades se os fundamentos em que se apoiam deixaram de contar com o suporte do Poder Judiciário, que poderia ficar paralisado pela ausência de recursos orçamentários necessários ao regular funcionamento de seus órgãos. Lembrava que, uma vez alcançado determinado nível de concretização em tema de direitos fundamentais de caráter social, o princípio da proibição do retrocesso impediria que fossem desconstituídas as conquistas alçadas pelos cidadãos ou, no contexto em exame, pelos empregados e trabalhadores, que estariam impossibilitados de transformar em realidade concreta os direitos abstratamente previstos no ordenamento positivo. Assegurava que o retrocesso social poderia comprometer o núcleo essencial de valores fundamentais, como os direitos sociais da classe trabalhadora, colocados em situação de evidente lesividade. A Ministra Rosa Weber corroborava os fundamentos expostos pelo Ministro Celso de Mello.

Anuidade de conselho profissional e sistema tributário - 1
O Plenário iniciou julgamento conjunto de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas em face de dispositivos da Lei 12.514/2011, que dizem respeito à fixação de anuidades devidas aos conselhos profissionais. O Ministro Edson Fachin (relator), no que acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente), julgou improcedentes os pedidos formulados. Inicialmente, definiu que essas anuidades têm a natureza jurídica de contribuições corporativas com caráter tributário. Quanto à alegação de inconstitucionalidade formal, ressaltou a dispensabilidade de lei complementar para a criação das contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais. Ademais, acerca da falta de pertinência temática entre a emenda parlamentar incorporada à medida provisória que culminara na lei em comento e o tema das contribuições devidas aos conselhos profissionais em geral, lembrou entendimento fixado pela Corte no julgamento da ADI 5.127/DF (DJe de 11.5.2016). Na ocasião, o Colegiado afirmou não ser compatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória submetida à sua apreciação (“contrabando legislativo”). Entretanto, na mesma oportunidade deliberara-se por emprestar eficácia prospectiva para a orientação firmada naquela ADI, de modo que a medida provisória em questão não padece do vício de inconstitucionalidade formal, haja vista que não transcorrido o limite temporal estabelecido no mencionado precedente.



Anuidade de conselho profissional e sistema tributário - 2
O relator, a respeito da constitucionalidade material da lei, teceu considerações acerca do princípio da capacidade contributiva. No ponto, aduziu que a progressividade deve incidir sobre todas as espécies tributárias, à luz da capacidade contributiva do contribuinte. Além disso, considerada a funcionalização da tributação para a realização da igualdade, esta é satisfeita por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas do povo. Em síntese, a progressividade e a capacidade contributiva são os fundamentos normativos do Sistema Tributário Nacional. Por conseguinte, esses princípios incidem sobre as contribuições sociais de interesse profissional. Essas contribuições são finalísticas, porquanto se prestam a suprir os cofres dos órgãos representativos das categorias profissionais com o escopo de financiar as atividades públicas por eles desempenhadas. O fato gerador das anuidades é a existência de inscrição no conselho respectivo, ainda que por tempo limitado, ao longo do exercício. O Poder Legislativo observara, portanto, a capacidade contributiva dos contribuintes ao instituir o tributo. Em relação às pessoas físicas, estabelecera razoável correlação entre a desigualdade educacional (níveis técnico e superior) e a provável disparidade de renda. No que tange às pessoas jurídicas, há diferenciação dos valores das anuidades baseada no capital social do contribuinte. Essa medida legislativa garante observância à equidade vertical eventualmente aferida entre os contribuintes.

Anuidade de conselho profissional e sistema tributário - 3
O relator, ainda no que se refere à constitucionalidade material da lei, discorreu sobre o princípio da legalidade tributária, tendo em conta a atribuição aos conselhos profissionais da fixação do valor exato das anuidades, desde que respeitadas as balizas quantitativas da norma. Quanto à atualização monetária de tributo, trata-se de matéria passível de tratamento normativo por intermédio de ato infralegal. Por sua vez, em relação à imputação de responsabilidade aos conselhos profissionais de fixarem o valor exato da anuidade, a questão tem maiores implicações. Sucede que, em razão de expressa previsão constitucional (CF, art. 150, I), às contribuições sociais de interesse profissional incide o princípio da legalidade tributária. Pode-se afirmar que esse postulado se apresenta sob as seguintes feições: a) legalidade da Administração Pública; b) reserva de lei; c) estrita legalidade; e d) conformidade da tributação com o fato gerador. Há, ainda, a distinção entre reserva de lei e legalidade estrita. A reserva de lei condiciona as intervenções onerosas na esfera jurídica individual à existência de lei formal, isto é, emanada do Poder Legislativo. A estrita legalidade tributária, por sua vez, é proibição constitucional dirigida à Administração federal, estadual e municipal de instituir ou aumentar tributo sem que haja lei que o autorize. Considerada essa diferença, no particular, não há ofensa ao princípio da reserva legal, uma vez que o diploma impugnado é lei em sentido formal que disciplina a matéria referente à instituição das contribuições sociais de interesse profissional para os conselhos previstos no art. 3º da Lei 12.514/2011. Por outro lado, o princípio da estrita legalidade tributária exige lei em sentidos material e formal para as hipóteses de instituição e majoração de tributos, nos termos do art. 150, I, da CF. No tocante à majoração, entende-se que a finalidade da referida limitação constitucional ao poder de tributar encontra-se satisfeita, uma vez que o “quantum debeatur” da obrigação tributária encontra-se limitado a montante previamente estabelecido por força de lei. Assim, o requisito da autotributação da sociedade foi observado, ou seja, infere-se que a lei procurara acolher a pretensão de resistência do contribuinte à intervenção estatal desproporcional, em acordo com a Constituição. O diploma legal inova legitimamente no ordenamento ao instituir tributo com a respectiva regra-matriz de incidência tributária, tendo em vista que a anuidade (tributo) é vinculada à existência de inscrição no conselho (fato gerador) e possui valor definido (base de cálculo e critério de atualização monetária), bem assim está vinculada a profissionais e pessoas jurídicas com inscrição no conselho (contribuintes). Assim, está suficientemente determinado o mandamento tributário, para fins de observância da legalidade tributária, na hipótese das contribuições profissionais previstas no diploma impugnado. Além disso, é adequada e suficiente a determinação do mandamento tributário na lei impugnada, por meio da fixação de tetos aos critérios materiais das hipóteses de incidência das contribuições profissionais. A Ministra Rosa Weber, por sua vez, julgou procedentes os pedidos por inconstitucionalidade formal, considerada a necessidade de pertinência temática entre a medida provisória que originara a lei em comento e a respectiva emenda parlamentar. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Marco Aurélio.


REPERCUSSÃO GERAL

Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal - 1
O Plenário iniciou julgamento conjunto de recursos extraordinários. No RE 838.284/SC, discute-se a validade da exigência da taxa para expedição da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), baseada na Lei 6.994/1982, que estabelece limites máximos para a ART. O Ministro Dias Toffoli (relator), no que acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia, negou provimento ao recurso, ao entender que não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo teto, possibilita ao ato normativo infralegal, em termos de subordinação, de desenvolvimento e de complementariedade, fixar o valor de taxa cobrada em razão do exercício do poder de polícia em proporção razoável com os custos da atuação estatal. De início, traçou retrospecto acerca do tratamento da matéria relativa às taxas devidas em decorrência da ART. Demonstrou, em síntese, que diversas leis passaram a autorizar a fixação, por atos infralegais, de variedade de taxas a favor de vários conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, sem a prescrição de teto legal ou mesmo homogeneidade de tratamento. A Lei 6.994/1982, por sua vez, delega às entidades descritas a competência para fixar os valores das taxas correspondentes aos seus serviços e atos indispensáveis ao exercício da profissão, e estabelece a possibilidade de as entidades fixarem as taxas referentes à ART, observado um limite máximo. Nesse sentido, a temática das taxas cobradas a favor dos conselhos de fiscalização de profissões ganhara nova disciplina com essa lei. Coubera ao órgão federal de cada entidade a fixação dos valores das taxas correspondentes aos serviços relativos a atos indispensáveis ao exercício da profissão, observados os respectivos limites máximos. Cabe perquirir, portanto, se a fixação de valor máximo em lei formal atende o art. 150, I, da CF, tendo em conta a natureza jurídica tributária da espécie taxa cobrada em razão do poder de polícia (fiscalização de profissões). Em outras palavras, cumpre saber qual o tipo e o grau de legalidade que satisfazem essa exigência, especialmente no tocante à espécie tributária taxa.




Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal - 2
O relator teceu considerações sobre o princípio da legalidade tributária e apontou para o esgotamento do modelo da tipicidade fechada como garantia de segurança jurídica. O legislador tributário pode valer-se de cláusulas gerais. No tocante às taxas cobradas em razão do exercício do poder de polícia, elas podem ter um grau de indeterminação, por força da ausência de minuciosa definição legal dos serviços compreendidos. Pode haver maior abertura dos tipos tributários quando se está diante de taxa ou de contribuição parafiscal, já que, nessas situações, sempre há atividade estatal subjacente, o que acaba deixando ao regulamento uma carga maior de cognição da realidade, especialmente em matéria técnica. Assim, a ortodoxa legalidade tributária, absoluta e exauriente, deve ser afastada, tendo em vista a complexidade da vida moderna e a necessidade de a legislação tributária adaptar-se à realidade em constante transformação. Nesse sentido, deve-se levar em conta o princípio da praticidade no direito tributário e a eficiência da Administração Pública. Essa tem sido a tendência jurisprudencial da Corte. Especificamente no que se refere a taxas, o montante cobrado, diferentemente do que acontece com impostos, não pode variar senão em função do custo da atividade estatal, devendo haver razoável equivalência entre ambos. O grau de arbítrio do valor da taxa, no entanto, tende a ficar mais restrito nos casos em que o aspecto quantitativo da regra matriz de incidência é complementado por ato infralegal. Isso porque a razão autorizadora da delegação dessa atribuição anexa à competência tributária está justamente na maior capacidade de a Administração, por estar estritamente ligada à atividade estatal direcionada ao contribuinte, conhecer da realidade e dela extrair elementos para complementar o aspecto quantitativo da taxa, para encontrar, com maior grau de proximidade, a razoável equivalência do valor da exação com os custos que ela pretende ressarcir.

Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal - 3
O relator ponderou se a taxa devida pela ART, na forma da Lei 6.994/1982, insere-se nesse contexto. A respeito, não há delegação de poder de tributar no sentido técnico da expressão. A lei não repassa ao ato infralegal a competência de regulamentar, em toda profundidade e extensão, os elementos da regra matriz de incidência da taxa devida em razão da ART. Os elementos essenciais da exação podem ser encontrados nas leis de regência. Assim, no antecedente da regra matriz de incidência encontra-se o exercício do poder de polícia relacionado à ART a que está sujeito todo contrato. O sujeito passivo é o profissional ou a empresa; o sujeito ativo é o respectivo conselho regional. No tocante ao aspecto quantitativo, a lei prescreve o teto sob o qual o regulamento poderá transitar. Esse diálogo realizado com o regulamento é mecanismo que objetiva otimizar a justiça comutativa. As diversas resoluções editadas sob a vigência dessa lei parecem condizer com essa assertiva. Em geral, esses atos normativos, utilizando-se de tributação fixa, assentam um valor fixo de taxa relativa à ART para cada classe do valor de contrato. Este é utilizado como critério para incidência do tributo, como elemento sintomático do maior ou menor exercício do poder de polícia. Ademais, não cabe aos conselhos realizar a atualização monetária do teto legal, ainda que se constate que os custos a serem financiados pela taxa relativa à ART ultrapassam o limite. Entendimento contrário violaria o art. 150, I, da CF. Em suma, a norma em comento estabelece diálogo com o regulamento em termos de subordinação, ao prescrever o teto legal da taxa referente à ART; de desenvolvimento da justiça comutativa; e de complementariedade, ao deixar valoroso espaço para o regulamento complementar o aspecto quantitativo da regra matriz da taxa cobrada em razão do exercício do poder de polícia. O Legislativo não abdica de sua competência acerca de matéria tributária. A qualquer momento, pode o parlamento deliberar de maneira diversa, firmando novos critérios políticos ou outros paradigmas a serem observados pelo regulamento. Em seguida, pediu vista o Ministro Marco Aurélio.

Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal - 4
No RE 704292/PR, em que reconhecida a repercussão geral da controvérsia, discute-se a natureza jurídica da anuidade de conselhos de fiscalização profissional, bem como a possibilidade de fixação de seu valor por meio de resolução interna de cada conselho. O Colegiado negou provimento ao recurso e declarou a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 11.000/2004, de forma a excluir de sua incidência a autorização dada aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas para fixar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas ou jurídicas. Por arrastamento, também reputou inconstitucional a integralidade do § 1º do aludido preceito. Reportou-se aos fundamentos teóricos expendidos no caso anterior (RE 838.284/SC) para aduzir, no tocante à lei impugnada que, ao confiar ao ato infralegal a otimização dos princípios da capacidade contributiva e da isonomia, fixara diálogo com o regulamento. No entanto, ao prever a necessidade de graduação das anuidades conforme os níveis superior, técnico e auxiliar, não o fizera em termos de subordinação nem de complementariedade. Os dispositivos não estabelecem expectativas e criam situação de instabilidade institucional, deixando ao puro arbítrio do administrador o valor da exação. Não há previsão legal de qualquer limite máximo para a fixação do valor da anuidade. Tais preceitos fazem com que a deliberação política de obter o consentimento dos contribuintes deixe de ser do parlamento e passe para nível eminentemente administrativo: os conselhos de fiscalização, entidades autárquicas destituídas de poder político. Para o contribuinte, surge uma situação de intranquilidade e incerteza, pois não se sabe o quanto lhe poderá ser cobrado; para o fisco, significa uma atuação ilimitada e carente de controle. Tudo retrata que a remissão ao regulamento se dera de maneira insubordinada, inexistindo a delimitação do grau de concreção com que o elemento do tributo (seu valor) pode ser disciplinado pelo ato autorizado. Nesse sentido, o regulamento autorizado não complementa o aspecto quantitativo da regra matriz de incidência tributária (elemento essencial na definição do tributo), mas sim o cria, inovando, assim, a ordem jurídica. O grau de indeterminação com que opera o art. 2º da Lei 11.000/2004, na parte em que autoriza os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas a fixar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas ou jurídicas relacionadas com suas atribuições, provocara a degradação da reserva legal, consagrada pelo art. 150, I, da CF. Isso porque a remessa ao ato infralegal não pode resultar em desapoderamento do legislador para tratar de elementos tributários essenciais. Para o respeito do princípio da legalidade, seria essencial que a lei (em sentido estrito) prescrevesse o limite máximo do valor da exação, ou os critérios para encontrá-lo, o que não ocorrera.

Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal - 5
O Tribunal verificou que a jurisprudência tem acompanhado esse entendimento. Assim, da mesma forma que é vedado aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas fixar em abstrato as contribuições anuais, lhes é defeso, a pretexto de atualização monetária, majorar as anuidades em patamar superior ao teto fixado em lei. Orientação diversa possibilitaria a efetiva majoração do tributo por ato infralegal, em nítida ofensa ao art. 150, I, da CF. Por fim, no tocante à discussão sobre o correto índice de atualização monetária a ser aplicável ao período, seja para a correção do referido teto legal, seja para a correção do valor devido à recorrida, destacou que, de regra, esse assunto possui natureza infraconstitucional, como na espécie. Impossível, portanto, seu reexame em sede recurso extraordinário. Em seguida, a Corte deliberou suspender o julgamento para apreciar a modulação de efeitos da decisão e a fixação da tese de repercussão geral.



Fonte: STF

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