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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O MODERNO DIREITO TRIBUTÁRIO NACIONAL - Eduardo Marcial Ferreira Jardim

EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM é Advogado e Consultor Jurídico. Mestre e Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor titular de Direito Tributário da Universidade Mackenzie, nos cursos de Graduação e Pós-Graduação, e Professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). 

Em entrevista exclusiva, concedida à Consulex, EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM, autor da obra Curso de Direito Tributário, tece importantes considerações críticas sobre alguns temas controversos da seara da tributação, além de contextualizar os alicerces do moderno Direito Tributário Nacional. 





Revista Jurídica CONSULEX – Como o Direito Tributário repercutiu na sua trajetória acadêmica e profissional?

EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM – Sou Auditor da Receita Federal do Brasil, aposentado aos 48 anos, e o exercício dessa função, evidentemente, despertou-me o interesse pelo Direito Tributário. Realmente, a tributação compreende um aspecto fascinante e muito relevante em relação aos postulados democráticos e aos direitos individuais, pois, de um lado, gera recursos para o Estado se organizar e buscar a consecução do bem comum e, de outra parte, impõe ao cidadão o dever de, compulsoriamente, pagar a sua cota ao Estado com o mesmo desígnio de compatibilizar o interesse público com o interesse individual. Quanto à vida acadêmica, devo dizer que sempre tive admiração pelo Magistério e, vez por outra, acalentava fazer carreira universitária. A primeira oportunidade surgiu no início do ano de 1976, quando, a convite do Professor Paulo de Barros Carvalho, aceitei o desafio de lecionar Legislação Tributária para candidatos ao concurso da carreira então denominada Fiscal de Tributos Federais. Fui bem-sucedido, pois alunos da época aplaudiram o meu trabalho, a exemplo do ex-aluno e depois Procurador da República, Doutor Pedro Henrique Niess, que tinha em mim o seu mestre predileto, ou, então, a ex-aluna Clair Feliz Regina, primeira colocada no concurso em minha disciplina. Esse momento mágico em minha vida foi o pontapé inicial para desenvolver a carreira universitária, conjugada com intensa atividade acadêmica. Comecei lecionando no interior do Estado, a exemplo da Faculdade de Direito de Itu, na condição de assistente do Professor Paulo de Barros Carvalho, depois assumi uma cadeira na Faculdade Padre Anchieta em Jundiaí, a seguir lecionei na Faculdade de Direito de Osasco e, na sequência, trabalhei em inúmeras outras faculdades como docente e, por vezes, como professor convidado. Paralelamente, cursei o Mestrado e o Doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde obtive o grau de Mestre e de Doutor. Leciono no Direito Mackenzie desde 1981, na qual sou Professor Titular de Direito Tributário. Escrevi muitas obras, dentre as quais o Manual de Direito Financeiro e Tributário (Saraiva), já em sua 12ª edição, os recentes Dicionário de Direito Tributário e Curso de Direito Tributário (Noeses). Sou autor de inúmeros estudos publicados em revistas nacionais e estrangeiras, bem como ministro palestras com frequência, além de participar do Congresso Nacional de Estudos Tributários do IBET e do Congresso da Academia Brasileira de Direito Tributário. Afora a atividade acadêmica, sou advogado, sócio do escritório Eduardo Jardim Advogados Associados.

CONSULEX – Como podem ser definidos os limites entre o Direito Financeiro e o Direito Tributário? 

EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM – O Direito Financeiro disciplina o orçamento público, o que inclui a destinação das receitas tributárias, enquanto o Direito Tributário normatiza os planos do nascimento, existência e extinção dos tributos. Como se vê, cada qual dispõe sobre uma parcela específica da atividade financeira do Estado, donde, apesar da proximidade, abrigam traços claramente distintos.

CONSULEX – No estudo do fato gerador, é possível falar-se em interpretação econômica deste?

EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM – A pergunta ensejaria uma resposta sobremodo alentada. Em breve resumo, merece citada a arguta crítica de Paulo de Barros Carvalho, para quem a descrição legislativa do fato gerador não é fato, mas hipótese, daí o reconhecimento de dois planos, o descritivo e o fenomênico. Na verdade, o chamado fato gerador é um fato qualificado pelo Direito, configurando, assim, um fato jurídico, o qual reveste natureza tributária, daí eu adotar a denominação fato jurídico tributário. A exemplo de qualquer fato jurídico, tem o condão de instalar a obrigação, daí sua imensurável importância no Direito Tributário. Quanto à interpretação chamada econômica, considero uma contradictio in terminis, pois o direito somente pode ser interpretado juridicamente e não economicamente. Entrementes, o que acoimam como interpretação econômica seria a interpretação teleológica sob o prisma econômico, donde, o teleológico, conjugado com os demais métodos interpretativos, daí, sim, representa o meio idôneo para desvendar e compreender o universo normativo.

CONSULEX – No Brasil, “berço” de grandes tributaristas, que nomes merecem menção?

EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM – Seria difícil elaborar uma relação que contivesse os mais importantes, seja pelo imensurável número de juristas de prol nessa seara, seja pelo risco de omitir algum nome de inegável expressão. De todo modo, poderia, sim, mencionar alguns nomes que merecem integrar qualquer lista, a exemplo dos saudosos Rubens Gomes de Sousa, Geraldo Ataliba, Aliomar Baleeiro, Alfredo Augusto Becker, Gilberto Ulhoa Canto, Antonio Roberto Sampaio Dória, Amilcar de Araújo Falcão, Fábio Fanucchi e Bernardo Ribeiro de Moraes, dentre outros, que, no passado, deram inestimável contribuição ao Direito Tributário. Dentre os nomes da atualidade, desponta com destaque o Professor Paulo de Barros Carvalho, escritor de obras consagradas, a exemplo de Teoria da Norma Tributária, Curso de Direito Tributário, Direito Tributário – Linguagem e Método, além de Fundamentos Jurídicos da Incidência Tributária. Mestre, Parecerista, Advogado e Editor da Noeses, uma das melhores editoras de livros jurídicos do País. Merecem ser lembrados, também, Souto Maior Borges, autor de sobrenumeráveis clássicos da literatura jurídica, Roque Antonio Carrazza, Professor talentoso e autor de obras memoráveis, dentre as quais o Curso de Direito Constitucional Tributário. Trago à colação o nome de Hugo de Brito Machado, mestre e doutrinador de excelência. Lembro o nome de José Eduardo Soares de Mello, Professor e autor de obras inestimáveis, dentre elas, O Imposto sobre Produtos Industrializados na Constituição de 1988”, não podendo ser olvidado, ainda, José Roberto Vieira, autor de IPI - A regra-matriz de incidência, obra escrita com pena de ouro. Cito, também, José Artur Lima Gonçalves, em face do seu Imposto sobre a Renda, tema muito bem versado também por Roque Antonio Carrazza em Imposto sobre a Renda e, também por Roberto Quiroga Mosquera, em livro com o mesmo título. Sacha Calmon e Misabel Derzi ocupam também o palco da história do Direito Tributário, mercê de sua reconhecida atividade acadêmica, incluindo obras clássicas. Para rematar, menciono, ainda, Alberto Xavier, Wagner Balera, Kiyoshi Harada, Heleno Taveira Torres, Elizabeth Nazar Carrazza, Regina Helena Costa, Aniz Kfouri Jr., Luciano Amaro, Zelmo Denari, Leandro Paulsen, Eduardo Domingos Bottallo, Ricardo Lobo Torres, Luís Eduardo Schoueri, Eduardo Sabbag e muitos outros em uma lista sem finitude.

CONSULEX – Podemos dizer que há um Estatuto de Defesa do Contribuinte? 

EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM Sim, não expresso, embora o denominado Estatuto do Contribuinte exista nas entrevozes da Constituição da República, pois encontra-se na contrapartida dos limites ao poder tributário do Estado e imerso nos direitos e garantais individuais.

CONSULEX – O nosso Código Tributário Nacional é de 1966; como compatibilizá-lo com a Constituição Federal que é de 1988?

EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM – Seria de mister atualizá-lo. Aliás, é censurável por todas as luzes a omissão do Congresso Nacional ao longo de tantas legislaturas, pois o Código se ressente de incredível anacronismo por ausência de simples atualização. Exemplifica o asserto o fato pelo qual o Código Tributário Nacional não cataloga as espécies tributárias empréstimos compulsórios, contribuições sociais, contribuições interventivas e contribuições profissionais, pois à luz da codificação as espécies tributárias continuam sendo os impostos, taxas e contribuições de melhoria, conforme positivado em seu art. 5º e desdobrado nos arts. 16, 77 e 81. O Código ainda alude a figuras inexistentes em nosso Direito, a teor de síndico, comissário e concordata. Não atualizou o postulado da anterioridade que, conforme o art. 104, seria aplicável tão somente aos impostos sobre a renda e a propriedade, em total desacordo com o figurino constitucional que, em regra, abrange os tributos em geral. 

CONSULEX – Em que pontos o nosso Direito Tributário precisa ser revisto?

EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM – Em princípio, é preciso apenas cumprir a Constituição, como, por exemplo, respeitar a seletividade do ICMS e cobrar a alíquota mínima do ICMS referente à energia elétrica, não a máxima; ou, ainda, não mascarar, com o nomen juris de contribuição de iluminação pública, uma verdadeira taxa de serviço indivisível e, por isso, inconstitucional. Curvar-se ao postulado da capacidade contributiva e da vedação da tributação confiscatória e reduzir a carga tributária em respeito à cidadania. Limitar a despesa pública e, por consequência, moderar a voracidade arrecadatória, priorizando o interesse público, a exemplo de construir cárceres e escolas e investir na saúde, além de outras políticas públicas, em vez de gastar com Copa do Mundo e submarino atômico, e outras inutilidades.

CONSULEX – Há limites para o planejamento tributário?

EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM – O tema relativo ao Planejamento Tributário não se circunscreve à economia de tributos e, por isso, merece uma visão mais ampla e abrangente. Com efeito, o Planejamento abriga dois lados, vale dizer, o governamental e o do contribuinte. O Governo, a seu turno, pode e deve planejar as políticas públicas controlando a despesa de forma organizada, tudo com o desígnio de tributar de forma organizada, obedecendo a Carta da República e, por consequência, respeitando o cidadão que paga a conta do País por meio da tributação. O contribuinte, por sua vez, pode e deve adotar procedimentos no sentido de planejar o cumprimento de suas obrigações, claro, buscando meios mais econômicos, sempre que possível, fazendo-o dentro do balizamento da licitude.

CONSULEX – Quais os temas tributários mais polêmicos pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça?

EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM – Na minha visão, os temas polêmicos são deslindados pela doutrina, ao menos ao lume da Teoria Geral do Direito.

CONSULEX – Com quais desafios se deparou na elaboração da obra Curso de Direito Tributário? 

EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM – O Curso de Direito Tributário foi o desafio dos desafios, pois o escrevi praticamente em um semestre, um recorde. Verdade seja, a obra já estava desenhada em minha mente e, por isso, escrevê-la representou um concretizar de mais um almejado projeto. O livro traduz o curso que venho ministrando nos últimos anos no Direito Mackenzie, na medida em que procurei estabelecer uma cronologia temática e uma metodologia direta ao entendimento do aluno, buscando clarear o caminho e facilitar a compreensão, tudo conjugado com o respeito aos postulados da Ciência do Direito e aos primados da Teoria Geral do Direito Tributário. Ante esses breves comentos, depreende-se que o livro é destinado especificamente aos alunos da graduação, embora a sua abordagem e as reflexões nele contidas justifiquem sejam compulsados no plano da especialização, mestrado ou mesmo doutorado.

CONSULEX – Que conselhos o Senhor poderia deixar para aqueles que desejam se dedicar ao estudo e à prática profissional do Direito Tributário?

EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM – Considero bem formado o aluno assíduo às aulas e, sobretudo, aquele que é dotado de capacidade de concentração e consegue captar as aulas expositivas, bem como aquele que, também, interage, pergunta e questiona, além de estudar com regularidade, ou seja, todo o dia um pouco. Por isso, aconselho estudar interpretação e lógica, senão também participar de eventos jurídicos, fazendo do Direito a sua segunda natureza.

Fonte: Consulex/IBET

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