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quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Informativo 851 STF - 12 a 19 de dezembro de 2016

PLENÁRIO

Direito Constitucional - Controle de Constitucionalidade. Depositário infiel de valor pertencente à Fazenda: proporcionalidade e devido processo legal
O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 8.866/1994, resultante da conversão da Medida Provisória 427/1994, reeditada pela Medida Provisória 449/1994. A lei impugnada trata do depositário infiel de valor pertencente à Fazenda Pública.

De início, o Colegiado assinalou que, ainda que a ação tenha sido ajuizada, originalmente, em face de medida provisória, não cabe falar em prejudicialidade do pedido. Não há a convalidação de eventuais vícios existentes, razão pela qual permanece a possibilidade do exercício do juízo de constitucionalidade. Na espécie, há continuidade normativa entre o ato legislativo provisório e a lei que resulta de sua conversão.

No que diz respeito à análise dos requisitos de urgência e relevância da medida provisória, no caso, não cabe ao Poder Judiciário examinar o atendimento desses requisitos. Trata-se de situação tipicamente financeira e tributária, na qual deve prevalecer, em regra, o juízo do administrador público.
Afastada a hipótese de abuso, deve-se adotar orientação já consolidada pelo STF e, portanto, rejeitar a alegação de inconstitucionalidade por afronta ao art. 62 da CF.

Ademais, a medida provisória atacada foi posteriormente convertida em lei, ou seja, recebeu a chancela do Poder Legislativo, titular do poder legiferante por excelência. Assim, o reconhecimento da existência de inconstitucionalidade formal poderia ser interpretado como ataque ao princípio da separação dos Poderes.

No mérito, a Corte explicou que a lei: a) cria a ação de depósito fiscal, com o escopo primordial de coagir, sob pena de prisão, o devedor a depositar o valor referente à dívida na contestação, ou após a sentença, no prazo de 24 horas; b) chancela a possibilidade de submeter o devedor a sofrer processo judicial de depósito, sem que tenha ocorrido a finalização do processo administrativo fiscal; e c) dispõe sobre a proibição de, em se tratando de coisas fungíveis, seguir-se o disposto sobre o mútuo (CC/1916, art. 1280; CC/2002, art. 645), com a submissão do devedor a regime mais gravoso de pagamento, em face dos postulados da proporcionalidade, do limite do direito de propriedade e do devido processo legal.

Diante desse cenário, admitir que seja erigido à condição de “depositário infiel aquele que não entrega à Fazenda Pública o valor referido neste artigo, no termo e forma fixados na legislação tributária ou previdenciária” (Lei 8.866/1994, art. 1º, § 2º) para o fim de coagi-lo a pagar a dívida tributária ou previdenciária da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal, cria situação mais onerosa do que a prevista no ordenamento jurídico até então vigente, consistente nas garantias constitucionais e nas já previstas disposições do CTN (CF, art. 5º, LV; e CTN, arts. 142, 201 e 204).

À época da edição da Medida Provisória 427/1994, já existia a Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980) e a medida cautelar fiscal (Lei 8.397/1992), as quais são instrumentos suficientes, adequados e proporcionais para a cobrança tributária.

Cumprindo o mandamento constitucional do devido processo legal, ambos os dispositivos estipulam ritos e privilégios para a tutela da arrecadação ao erário e garantias ao contribuinte.

Sem guardar qualquer correspondência com o postulado da proporcionalidade e seus subprincípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, a lei em questão possibilita o ajuizamento de demanda que coage ao depósito da quantia devida com ou sem apresentação de contestação, sob pena de decretação de revelia.

E mais: a legislação questionada admite o ajuizamento de demanda judicial apenas com base em “declaração feita pela pessoa física ou jurídica, do valor descontado ou recebido de terceiro, constante em folha de pagamento ou em qualquer outro documento fixado na legislação tributária ou previdenciária, e não recolhido aos cofres públicos” (Lei 8.866/1994, art. 2º, I), sem que ocorra a finalização do processo administrativo fiscal, o que fere postulados constitucionais (CF, art. 5º, LIV e LV).

É corolário do princípio do devido processo legal que aos litigantes sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes. O postulado também se aplica aos processos que contenham relação jurídico-tributária, razão pela qual aquela medida vulnera a garantia do contribuinte ao devido processo legal.

Nesse sentido, determinar que a contestação seja apresentada com o depósito do numerário sob pena de revelia equivale a exigir depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial, o que é manifestamente proibido pela Suprema Corte, nos termos da Súmula Vinculante 28.

Ao contribuinte é facultado ajuizar ação de depósito em face do Fisco, a fim de obter certidão negativa de débito (ou positiva com efeito de negativa). Porém, ele não pode ser coagido a assim proceder, sob pena de vulneração ao princípio da proporcionalidade, do contraditório e da ampla defesa. De outro lado, não há nenhuma lesão ao patrimônio público, haja vista os instrumentos processuais à disposição da Fazenda Pública.

Demonstrado, pois, que, se o incremento da arrecadação era o resultado almejado, o ordenamento jurídico já contém modos e formas de chegar a resultado semelhante, quais sejam, ação de execução fiscal ou medida cautelar fiscal. Sob esse aspecto, a lei em comento não guarda compatibilidade com a norma constitucional e ainda apresenta outras incompatibilidades.

É cediço que há o dever fundamental de pagar tributos, entretanto os meios escolhidos pelo Poder Público devem estar jungidos à necessidade da medida, à adequação e à proporcionalidade, em sentido estrito, de restringir os meios de adimplemento em caso de cobrança judicial, as quais não estão presentes na apreciação da legislação ora questionada.

O Estado brasileiro baseia-se em receitas tributárias. Um texto constitucional como o nosso, pródigo na concessão de direitos sociais e na promessa de prestações estatais aos cidadãos, deve oferecer instrumentos suficientes para que possa fazer frente às inevitáveis despesas que a efetivação dos direitos sociais requer. O tributo é esse instrumento. Considera-se, portanto, a existência de um dever fundamental de pagar impostos. No caso da Constituição, esse dever está expresso no § 1º do art. 145.

Existe inegável conflito entre os cidadãos e os agentes privados no sentido de transferir para os demais concidadãos o ônus tributário, furtando-se, tanto quanto possível, a tal encargo. Ao disciplinar de maneira isonômica, segundo a capacidade econômica do contribuinte, a distribuição dos ônus tributários e ao operar por meio da fiscalização tributária para conferir efetividade a esse objetivo, o Estado está verdadeiramente a prestar aos cidadãos a função de árbitro de um conflito entre agentes privados.

Igualmente, o Colegiado observou a lei à luz do disposto no inciso LIV do art. 5º da Constituição. Constatou que o instrumento de agir em juízo, lá estabelecido, restringe o cumprimento da obrigação pelo devedor tributário, quando determina apenas o depósito da quantia em dinheiro, em claro desrespeito ao direito de propriedade. Isso ocorre porque o diploma normativo em questão suprime, parcial ou totalmente, posições jurídicas individuais e concretas do devedor vinculadas ao pagamento da dívida tributária, que repercutem em sua propriedade, ante a existência de rol normativo-legal que já disciplina a matéria com completude. A restrição acaba conflitando com a existência da ação de execução fiscal, na qual coincide tal possibilidade, aliada a outras.

A medida legislativa-processual criada não é adequada, tampouco necessária para obtenção de fins legítimos, por restringir a propriedade do devedor e estabelecer uma única forma de pagamento: depósito da quantia devida em dinheiro no prazo de 24 horas, situação flagrantemente inconstitucional.
A retirada das disposições relativas à prisão civil por dívidas acaba com o escopo da legislação em comento. Afinal, não existe plausibilidade para manutenção da tutela jurisdicional díspar com o ordenamento jurídico, a qual cria situação desproporcional e, portanto, inconstitucional para o fim de otimizar a arrecadação tributária.

Por fim, a possibilidade de manejo da ação de depósito fiscal está em franco desuso, ante a existência de outros meios de que o Fisco se pode valer para cobrança de seus créditos, tal como execução fiscal ou medida cautelar fiscal, fato que não afasta a inconstitucionalidade.

No entanto, para evitar insegurança jurídica ou qualquer prejuízo ao erário em relação aos prazos prescricionais, o Tribunal definiu que as ações de depósito fiscal em curso deverão ser transformadas em ação de cobrança, de rito ordinário, com oportunidade ao Poder Público para a sua adequação ou para requerer a sua extinção.



Direito Constitucional - Conflito Federativo. Fundo de Participação dos Estados e descontos relativos ao PROTERRA e ao PIN - 5
O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou procedente o pedido formulado em ação cível originária para condenar a União a pagar as diferenças devidas — observado o prazo prescricional de cinco anos, considerada a data do ajuizamento da ação — concernentes aos repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Tal situação ocorreu devido à redução na base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), ante as deduções nos valores recolhidos das contribuições do Programa de Integração Nacional (PIN) e do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste (PROTERRA), criados pelos Decretos-Leis 1.106/1970 e 1.179/1971 — v. Informativos 544 e 777.

O Tribunal observou que a controvérsia versava sobre a repartição das receitas tributárias e, de acordo com o art. 159, I, a, da Constituição, a União deve entregar ao FPE 21,5% do produto da arrecadação do IRPJ e do imposto sobre produtos industrializados (IPI). Assim, as balizas referentes à regência dos tributos estariam bem definidas, não se podendo considerar outras políticas norteadas pelo interesse da União, sob pena de esvaziamento do que estabelecido no Diploma Maior.

Aduziu ser sintomática norma que discipline cálculo e, de forma exaustiva, disponha sobre a exclusão de certa parcela ligada à técnica de arrecadação do IRPJ.

Ressaltou que a única possibilidade de desconto permitida pela Constituição seria referente à quota-parte alusiva ao desconto na fonte relativamente a servidores dos Estados e do Distrito Federal (art. 157, I) e dos Municípios (art. 158, I), porque procedido pelas próprias unidades da Federação.

Frisou que a consideração de outras parcelas para desconto dependeria de emenda constitucional, da mesma forma como se dera em relação ao Fundo Social de Emergência, instituído pela Emenda Constitucional de Revisão 1. Desta forma, o que arrecadado pela União, mediante sistema conducente à diminuição do que devido a título de IRPJ, presentes os programas federais PIN e PROTERRA, destinados a financiar despesas públicas, não poderia, sob o ângulo negativo, ser distribuído entre os Estados.

Citou, ainda, o que decidido pelo Supremo no julgamento do RE 572762/SC (DJE de 5.9.2008), no sentido de assentar que, relativamente à participação dos Municípios alusiva ao que arrecadado a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), não caberia ao Estado a submissão à política implementada.

Vencidos os ministros Menezes Direito, Eros Grau, Gilmar Mendes e Edson Fachin, que julgavam o pedido improcedente.

O ministro Menezes Direito sublinhava que a receita em questão seria dedutiva com relação à arrecadação do imposto de renda, porque ela decorreria de uma opção individual do contribuinte. Por isso, deixaria de entrar, especificamente, como receita vinculada.

O ministro Eros Grau sustentava que Estados e Municípios detêm mera expectativa de participar do produto da arrecadação.

O ministro Gilmar Mendes afirmava que, do ponto de vista estritamente constitucional, entender que apenas a União deva suportar a repercussão econômica da instituição de benefícios fiscais de tributos de sua competência, ainda que o produto de sua arrecadação seja partilhado, parece tolher sua competência constitucionalmente prevista e inverter o modelo de federalismo de cooperação.

Além disso, pertence aos Estados apenas o produto da arrecadação na forma do art. 159, I, da Constituição. A União é livre para exercer sua competência tributária ativa, até mesmo para promover medidas de incentivo fiscal, sem prejuízo da adoção de medidas políticas compensatórias.


Repercussão Geral

Direito Tributário - Sistema Tributário. Parcelamento de dívida relativa à Cofins: isonomia e acesso à Justiça
Não viola o princípio da isonomia e o livre acesso à jurisdição a restrição de ingresso no parcelamento de dívida relativa à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), instituída pela Portaria 655/1993 do Ministério da Fazenda, dos contribuintes que questionaram o tributo em juízo com depósito judicial dos débitos tributários. Esse é o entendimento do Plenário, que, por decisão majoritária, deu provimento a recurso extraordinário que debatia eventual ofensa aos aludidos postulados em face da edição da mencionada portaria, que, ao dispor sobre o parcelamento de débitos inerentes à Cofins, veda-o aos contribuintes que ingressaram em juízo e implementaram o depósito judicial do montante controvertido.

O Colegiado entendeu que o princípio da isonomia, refletido no sistema constitucional tributário (CF/1988, arts. 5º e 150, II), não se resume ao tratamento igualitário em toda e qualquer situação jurídica. Refere-se, também, à implementação de medidas com o escopo de minorar os fatores discriminatórios existentes, com a imposição, por vezes, em prol da igualdade, de tratamento desigual em circunstâncias específicas.

A isonomia sob o ângulo da desigualação reclama correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação que justifique os interesses protegidos na Constituição, ou seja, adequada correlação valorativa. No caso, entretanto, a norma é antijurídica, porque apresenta discriminações sem justificativa.
Além disso, o princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF/1988, art. 5º, XXXV) tem o intento de coibir iniciativas de legisladores que possam impor obstáculos desarrazoados ao acesso à Justiça.

No caso, o depósito do montante integral do crédito tributário impugnado judicialmente (CTN/1966, art. 151, II) tem natureza dúplice, porque ao tempo em que impede a propositura da execução fiscal, a fluência dos juros e a imposição de multa, também acautela os interesses do Fisco em receber o crédito tributário com maior brevidade. A sua conversão em renda equivale ao pagamento previsto no art. 156 do CTN, e encerra modalidade de extinção do crédito tributário.

Por sua vez, o parcelamento tributário, concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica, é causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, que não dispensa o sujeito passivo dos encargos relativos à mora (CTN/1966, art. 151, VI), e implica hipótese diversa do depósito judicial, que, uma vez efetuado, exonera o contribuinte dos acréscimos moratórios e demais encargos legais decorrentes do inadimplemento da obrigação tributária.

No caso, a concessão de parcelamento apenas aos contribuintes que não ingressaram em juízo ou aos que ajuizaram ações, mas não implementaram o depósito do crédito tributário controvertido, e a exceção aos contribuintes que ingressaram em juízo e realizaram o depósito judicial não revela discriminação inconstitucional. Afinal, obedece a todos os aspectos essenciais à observância da isonomia na utilização de critérios de desigualação.

O discrímen adotado pela portaria aplica-se indistintamente a todos os contribuintes que optaram pela realização do depósito judicial. Ademais, além de guardar estrita pertinência lógica com o objetivo pretendido pela norma, diz respeito apenas aos valores objeto dos respectivos depósitos, e não aos contribuintes depositantes.

O critério de desigualação está em consonância com os interesses protegidos pela Constituição, visto que prestigia a racionalização na cobrança do crédito público. É uma solução administrativa que evita o ajuizamento de demandas desnecessárias e estimula o contribuinte em situação irregular ao cumprimento de suas obrigações.

O regime jurídico do depósito judicial para suspensão da exigibilidade de crédito tributário, como faculdade do contribuinte, impõe que o montante depositado referente à ação judicial se torne litigioso, permanecendo à sorte do resultado final da ação. Logo, o montante depositado ficará indisponível para as partes enquanto durar o litígio, por ser garantia da dívida “sub judice”.

Os contribuintes que efetuaram depósitos em juízo de valores relativos a débitos da Cofins se equiparam àqueles que adimpliram as suas obrigações, com o pagamento do crédito tributário, porque o montante depositado fica condicionado ao resultado final da ação.

No julgamento da ADC 1/DF (DJU de 16.6.1995), foi assentada a legitimidade da exação. As ações ajuizadas pelos contribuintes para discussão de sua constitucionalidade encerrarão resultado favorável à Fazenda Pública, o que impossibilita de toda a forma o levantamento dos depósitos judiciais porventura realizados.

O Tribunal concluiu que o texto da Portaria 655/1993 do Ministério da Fazenda não configura violação ao princípio da isonomia. Afinal, distingue duas situações completamente diferentes: a do contribuinte que se quedou inerte em relação aos seus débitos com o Fisco e a do contribuinte que voluntariamente efetuou o depósito judicial do débito e fica, portanto, imune aos consectários legais decorrentes da mora. Não há que se falar, igualmente, em ofensa ao livre acesso à Justiça, porque não se impõe o depósito judicial para o ingresso em juízo.

Assim, caso o contribuinte tenha ajuizado ação e realizado o depósito do montante que entendera devido, se houver eventual saldo a pagar, pode aderir ao parcelamento para sua quitação. Não há que se falar, portanto, em obstrução à garantia de acesso ao Judiciário.

Vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso. Consideravam que a portaria estabeleceria uma diferença ofensiva aos princípios da isonomia e do acesso à jurisdição. O ministro Marco Aurélio ficou vencido também quanto à fixação de tese para efeitos de repercussão geral, por ter em conta que o interesse em recorrer teria surgido antes da regulamentação do instituto.


Fonte: STF


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