Páginas

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Informativo 855 STF - 20 de fevereiro a 3 de março de 2017

PLENÁRIO

Valor Adicionado Fiscal: forma de cálculo e questão infraconstitucional
A matéria referente à forma de cálculo do Valor Adicionado Fiscal (VAF) não ostenta natureza constitucional.

Com essa orientação, o Tribunal, por maioria, negou provimento a embargos de divergência opostos contra acórdão da Segunda Turma nos quais se sustentava divergência em relação ao acórdão proferido pela Primeira Turma no RE 136.189/SP (DJU de 22.5.1992).

Nos termos do voto condutor do acórdão paradigma, o ponto essencial à regência da repartição de receitas entre Estados-Membros e Municípios — alçados os últimos, no federalismo brasileiro, ao “status” de entidade política autônoma, a concretização dos caracteres essenciais da definição do “valor adicionado” seria um problema nacional: se a própria Constituição não lhe delegou o deslinde — como o fazia explicitamente o art. 23, § 8º, até a EC 17/1980, e o faz hoje, explicitamente, o art. 161, I, do texto de 1988 —, seria na Constituição mesma que se haveria de buscar, até onde por possível, a densificação do conceito necessário.

O Tribunal, preliminarmente e também por maioria, conheceu dos embargos de divergência por reputar preenchidos todos os pressupostos processuais. Asseverou haver controvérsia entre os órgãos fracionários do STF em relação à índole constitucional ou infraconstitucional da forma de cálculo do VAF do ICM, sob a vigência da EC 1/1969, após a promulgação da EC 17/1980, para fins de seguimento de recurso extraordinário. Vencidos, no ponto, os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que não conheciam dos embargos.

Quanto ao mérito, prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin que, ao se referir ao acórdão paradigma, entendeu que o fato de a matéria ser de abrangência nacional não implica dizer que, por isso, também é necessariamente constitucional.

Asseverou que, no caso, verifica-se apenas que o poder constituinte derivado decidiu excluir da esfera da política ordinária uma decisão fundamental para o federalismo fiscal, isto é, os critérios de partilha das receitas do ICM pertencentes ao Estado por meio da constitucionalização desses critérios. No entanto, estaria claro que não se extrairia um conceito de VAF do que positivado na Constituição, sendo necessária a concretização normativa do Poder Público nos âmbitos legislativo e administrativo para regular a vontade do constituinte.

Acrescentou que o VAF é um critério econômico contábil que se pauta simplificadamente na diferença entre notas fiscais de venda e notas fiscais de compra na espacialidade do município.

Vencidos os ministros Dias Toffoli (relator) e Roberto Barroso, que davam parcial provimento ao recurso.


Entidades beneficentes de assistência social e imunidade - 7
O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, com base no princípio da fungibilidade, conheceu das ações diretas de inconstitucionalidade como arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Vencidos os ministros Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Marco Aurélio, que não convertiam as ações. O ministro Dias Toffoli ressaltava que, incluída em pauta a ação direta antes do exaurimento da eficácia da lei temporária impugnada, o Tribunal deveria julgá-la. O ministro Marco Aurélio afirmava que, se o ato normativo abstrato e autônomo tivesse sido revogado, seria o caso de decretar o prejuízo da ação (v. Informativos 749 e 844).

No mérito, prevaleceu o voto do ministro Teori Zavascki, que julgou procedentes os pedidos veiculados nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.028 e 2.036 para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 9.732/1998, na parte em que alterou a redação do art. 55, III, da Lei 8.212/1991 e acrescentou-lhe os §§ 3º, 4º e 5º, bem como dos arts. 4º, 5º e 7º da Lei 9.732/1998.

Além disso, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.228 e 2.621 para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 2º, IV; 3º, VI e §§ 1º e 4º; 4º, parágrafo único, todos do Decreto 2.536/1998; assim como dos arts. 1º, IV; 2º, IV e §§ 1º e 3º; e 7º, § 4º, do Decreto 752/1993.

Afirmou que a reserva de lei complementar aplicada à regulamentação da imunidade tributária, prevista no art. 195, § 7º, da Constituição Federal (CF), limita-se à definição de contrapartidas a serem observadas para garantir a finalidade beneficente dos serviços prestados pelas entidades de assistência social, o que não impede seja o procedimento de habilitação dessas entidades positivado em lei ordinária.

Explicou que, justamente por cumprir uma missão mais nobre, a imunidade se diferencia das isenções e demais figuras de desoneração tributária. A imunidade de contribuições sociais serve não apenas a propósitos fiscais, mas à consecução de alguns dos objetivos fundamentais para a República – como a construção de uma sociedade solidária e voltada para a erradicação da pobreza –, os quais não podem ficar à mercê da vontade transitória de governos. Devem ser respeitados, honrados e valorizados por todos os governos, transcendendo a frequência ordinária em que se desenvolvem costumeiramente os juízos políticos de conveniência e oportunidade, para desfrutar da dignidade de políticas de Estado.

Portanto, não se pode conceber que o regime jurídico das entidades beneficentes fique sujeito a flutuações legislativas erráticas, não raramente influenciadas por pressões arrecadatórias de ocasião. É inadmissível que tema tão sensível venha a ser regulado por medida provisória. O cuidado de inibir a facilitação de flutuações normativas nesse domínio justifica-se, sobretudo, pela própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que afirma não haver direito adquirido a determinado tratamento tributário.

Assim, diante da relevância das imunidades de contribuições sociais para a concretização de uma política de Estado voltada à promoção do mínimo existencial e da necessidade de evitar que as entidades compromissadas com esse fim sejam surpreendidas com bruscas alterações legislativas desfavoráveis à continuidade de seus trabalhos, deve incidir nesse caso a reserva legal qualificada prevista no art. 146, II, da CF. É essencial frisar, todavia, que essa proposição não produz uma contundente reviravolta na jurisprudência da Corte a respeito da matéria, mas apenas um reajuste pontual. Aspectos meramente procedimentais referentes à certificação, à fiscalização e ao controle administrativo continuam passíveis de definição em lei ordinária. A lei complementar é forma somente exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente quanto às contrapartidas a serem observadas por elas.

Por essas razões, o ministro Teori Zavascki concluiu pela inconstitucionalidade dos artigos da Lei 9.732/1998 que criaram contrapartidas a serem observadas pelas entidades beneficentes, e também dos arts. 1º, IV; 2º, IV e §§ 1º e 3º; 7º, § 4º, do Decreto 752/1993, que perderam o indispensável suporte legal do qual derivam. Contudo, não há vício formal – tampouco material – nas normas acrescidas ao inciso II do art. 55 da Lei 8.212/1991 pela Lei 9.429/1996 e pela Medida Provisória 2.187/2001, essas últimas impugnadas pelas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.228 e 2.621.

As sucessivas redações do art. 55, II, da Lei 8.212/1991 têm em comum a exigência de registro da entidade no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), a obtenção do certificado expedido pelo órgão e a validade trienal do documento. Como o conteúdo da norma tem relação com a certificação da qualidade de entidade beneficente, fica afastada a tese de vício formal. Essas normas tratam de meros aspectos procedimentais necessários à verificação do atendimento das finalidades constitucionais da regra de imunidade.

Vencidos, em parte, os ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio, que julgavam totalmente procedentes os pedidos formulados nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.228 e 2.621 e, portanto, reputavam inconstitucional o art. 55, II e III, da Lei 8.212/1991, com a redação conferida pelo art. 5º da Lei 9.429/1996, bem como os arts. 9º e 18, III e IV, da Lei 8.742/1993.

Por fim, o ministro Marco Aurélio aditou o seu voto para assentar a inconstitucionalidade formal do art. 55, III, da Lei 8.212/1991, na redação conferida pelo art. 1º da Lei 9.732/1998.



REPERCUSSÃO GERAL

Contribuição para o PIS e não cumulatividade
O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade da Medida Provisória 66/2002, convertida na Lei 10.637/2002. Com essa norma, inaugurou-se a sistemática da não cumulatividade da contribuição para o PIS incidente sobre o faturamento das pessoas jurídicas prestadoras de serviços. Por consequência, houve a majoração da alíquota da referida contribuição associada à possibilidade de aproveitamento de créditos compensáveis para a apuração do valor efetivamente devido.

O ministro Dias Toffoli (relator) negou provimento ao recurso e declarou ainda constitucional a norma impugnada. De início, asseverou que a similitude de tratamento jurídico no que se refere à não cumulatividade da contribuição ao PIS e da Cofins demandaria uma orientação uniforme sobre a matéria, haja vista a sistemática da não cumulatividade ter sido estendida para a Cofins pela Lei 10.833/2003.

Em seguida, afastou a alegada inconstitucionalidade formal por ofensa ao art. 246 da CF. Ressaltou que as Medidas Provisórias 66/2002 e 135/2003, que deram origem às Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 respectivamente, não vieram regulamentar uma emenda constitucional específica, mas instituir nova disciplina tributária envolvendo contribuições que já eram cobradas anteriormente. Além disso, o art. 195, § 12, da CF, que trata da contribuição não cumulativa, foi introduzido pela EC 42/2003. Já o art. 246 da CF foi objeto da EC 32/2001, e somente a regulamentação das emendas constitucionais promulgadas entre 1º de janeiro de 1995 e 12 de setembro de 2001, data da publicação da EC 32/2001, não poderia ser efetivada por medidas provisórias.

O ministro afirmou a necessidade de definir o sentido e o alcance da não cumulatividade prevista para o PIS/Cofins, os limites normativos à atuação do legislador infraconstitucional na introdução desse regime e as implicações para o regime decorrentes da norma constitucional da isonomia. Consignou que, ao surgir a não cumulatividade do PIS/Cofins, inexistia parâmetro constitucional quanto ao perfil e à amplitude do mecanismo. A EC 42/2003 alçou a matéria ao nível constitucional, quando incluiu o § 12 no art. 195 da CF. Desde sua edição, a não cumulatividade das contribuições incidentes sobre o faturamento ou a receita não pode mais ser interpretada exclusivamente pelas prescrições das leis ordinárias. Assim, cabe extrair um conteúdo semântico mínimo da expressão “não cumulatividade” prevista na Constituição, que deve guiar o legislador ordinário.

Segundo o relator, o § 12 do art. 195 da CF autoriza a coexistência dos regimes cumulativo e não cumulativo. O texto da EC 42/2003, ao cuidar da matéria quanto ao PIS/Cofins, dispôs apenas que a lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições serão não cumulativas, mas não registrou a fórmula que serviria de ponto de partida à interpretação do regime. Desse modo, não haveria no texto constitucional a escolha de uma ou outra técnica de incidência da não cumulatividade das contribuições sobre o faturamento ou a receita.

Entretanto, reconhecer que o legislador ordinário, nesse caso, tem maior liberdade para disciplinar a não cumulatividade não significa afirmar que ele pode tudo querer ou prever. Feita a opção pela coexistência de ambos os regimes, o legislador deve ser coerente e racional ao definir quais setores da atividade econômica seriam submetidos à sistemática não cumulativa de apuração do PIS/Cofins e quais seriam mantidos na cumulatividade, a fim de não gerar desequilíbrios concorrenciais e discriminações arbitrárias ou injustificadas. Além disso, diante de contribuições cuja materialidade é a receita ou o faturamento, a não cumulatividade deve ser vista como técnica voltada a afastar o “efeito cascata”, sob a óptica da atividade econômica, considerados a receita ou o faturamento auferidos pelo conjunto de contribuintes tributados sequencialmente ao longo do fluxo negocial dos bens ou dos serviços. Nesse contexto, ao definir os setores da atividade econômica para os quais as contribuições do PIS/Cofins são não cumulativas, o legislador ordinário não pode se afastar: a) dos objetivos/valores que justificaram a criação da sistemática; b) do núcleo de materialidade constitucional do PIS/Cofins; e c) dos princípios constitucionais em geral, notadamente a isonomia.

O ministro registrou que, na regulamentação, como consta da exposição de motivos das medidas provisórias citadas, em contrapartida às alíquotas do PIS (1,65%) e da Cofins (7,6%), seria admitido o aproveitamento de créditos. Isso faria, em tese, com que a arrecadação não fosse alterada, pois a alíquota maior incidiria sobre uma base de cálculo menor. Na finalidade da instituição do novo regime, estaria implícito, na diferença de alíquotas, exatamente o objetivo de igualar as cargas tributárias entre os regimes cumulativo e não cumulativo. Pretendia-se afastar o perverso efeito financeiro da carga tributária do ciclo econômico, com vistas a garantir a neutralidade fiscal, de modo a equalizar a carga tributária, independentemente do número de operações existentes no ciclo produtivo. Dessa forma, é evidente que os objetivos propalados de harmonização, neutralidade tributária e correção dos desequilíbrios na concorrência devem direcionar o legislador no processo gradual de inserção da cobrança não cumulativa para todos os contribuintes de um setor econômico, mediante a graduação de base de cálculo e alíquotas (CF, art. 195, § 9º), de modo a não acentuar as distorções geradas pela cumulatividade. Caso contrário, a inserção num ou noutro regime e a disciplina dos créditos passíveis de dedução seriam casuísticos, frutos da maior ou menor pressão exercida por determinados setores sobre o Poder Legislativo.

O relator afirmou que, na disciplina inaugurada pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, parece ser assente não se assimilarem, por inteiro, os métodos tradicionais de cálculo sobre o “valor agregado”. A opção do legislador foi de negar o crédito em determinadas hipóteses e concedê-los em outras de forma genérica ou restritiva. O modelo legal, em sua feição original, abstratamente considerado — embora complexo e confuso, mormente quanto às técnicas de deduções (crédito físico, financeiro e presumido) e aos itens admitidos como créditos —, não atenta, em princípio, contra o conteúdo mínimo de não cumulatividade extraído do art. 195, § 12, da CF. No caso, os créditos autorizados pelas leis impedem o “efeito cascata”, isto é, nova incidência de PIS/Cofins sobre o PIS/Cofins que já oneraram os valores aos quais se referem.

Ao partir da premissa de que a não cumulatividade do PIS/Cofins é forma de arrecadação que visou facilitar sua administração, contribuir para a neutralidade e corrigir desequilíbrios na concorrência e, em decorrência, implicou a redistribuição da carga tributária entre os diversos setores de atividade econômica, a não cumulatividade não pode deixar de estar vinculada aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva. Assim, é preciso levar em conta que diferenças de tratamento tributário são comuns e necessárias para a adequação da tributação às diversas circunstâncias que dizem respeito à imposição dos ônus tributários, ou seja, um tratamento diferenciado não evidencia, em si mesmo, qualquer vício.

Diante disso, o relator considerou que a manutenção das pessoas jurídicas que apuram o IRPJ com base no lucro presumido ou arbitrado na sistemática cumulativa (Lei 9.718/1998) e a inclusão automática daquelas obrigadas a apurar o IRPJ com base no lucro real no regime da não cumulatividade, por si sós, não afrontam a isonomia ou mesmo a capacidade contributiva. O regime do imposto de renda sobre o lucro presumido aplicado àqueles que preencham os requisitos do art. 13 da Lei 9.718/1988 (e não se enquadrem nas hipóteses do art. 14 da mesma lei), em regra, alcança empresas de modesto porte econômico. Sua finalidade é simplificar a administração tributária para os contribuintes e para o Fisco. Daí o legislador tê-los excluído do regime não cumulativo do PIS/Cofins, cuja complexidade traz inconvenientes para o próprio contribuinte. Dessa forma, não é anti-isonômico nem ofensivo à capacidade contributiva o fato de as empresas obrigadas, em razão do montante das suas receitas, a apurar o IRPJ com base no lucro real ficarem sujeitas a maior carga de PIS/Cofins do que aquelas que apuram o IRPJ pelo lucro presumido.

Sobre a impossibilidade de créditos em razão da contratação de mão de obra, o ministro sustentou também não ser violador do princípio da isonomia nem da não cumulatividade o fato de as leis debatidas afirmarem que o valor de mão de obra paga a pessoa física não dá direito a crédito. Essa é uma regra que vale para todos os abrangidos pelo regime não cumulativo de cobrança do PIS/Cofins. Não há, portanto, um tratamento discriminatório entre empresas que têm grande gasto com mão de obra (como muitas das prestadoras de serviços) e as que têm um gasto reduzido. Além disso, é necessário observar que o núcleo da não cumulatividade do PIS/Cofins, por si só, é incapaz de autorizar, a favor do contribuinte, crédito que decorra de gasto com mão de obra paga a pessoa física, pois o valor recebido por esta, em razão de sua mão de obra, não é onerado com PIS/Cofins. Portanto, nesse tipo de gasto da pessoa jurídica, inexiste efeito cascata da tributação que a não cumulatividade busca afastar.

O relator considerou que as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, na redação original, adotaram a sistemática de regular a não cumulatividade como norma geral (art. 1º), incluindo todos os setores de atividade econômica no novo regime de apuração do PIS/Cofins. Ambas trouxeram, nos arts. 8º e 10, respectivamente, norma especial excludente, que mantém diversas pessoas jurídicas na sistemática cumulativa da Lei 9.718/1998. Nas alterações posteriores, inicialmente veiculadas na Lei 10.865/2004, foram excluídas da sistemática não cumulativa diversas atividades do setor da prestação de serviços. Posteriormente, sucessivas leis (10.925/2004, 11.051/2004, 11.196/2005, 11.434/2006 e 13.043/2014) excluíram da regra geral da não cumulatividade outras atividades e receitas. Assim, se havia alguma racionalidade ou mesmo neutralidade no modelo pensado pelo legislador na inauguração da não cumulatividade, tal característica foi se perdendo ao longo dos mais de quatorze anos de vigência do novo modelo de apuração do PIS/Cofins. Ou seja, o rol de receitas de prestação de serviços excluídas do regime não cumulativo foi sendo acrescido pela legislação superveniente, mas sempre pelo mesmo deficiente critério casuístico.

Assim, longe de atingir as finalidades almejadas, as sucessivas alterações legislativas acabaram por acentuar as imperfeições e a ausência de racionalidade na seleção das atividades econômicas do setor de prestação de serviços que compõem um ou outro regime de apuração do PIS/Cofins, como determina o art. 195, § 12, da CF. A sistemática legal, originariamente pensada com o objetivo de eliminar a possibilidade de ocorrência do “efeito cascata”, na atualidade está inserida muito mais no contexto de mera “política” de concessão de benefícios fiscais de redução dos montantes mensais a serem recolhidos. No estágio jurídico atual, não se pode afirmar, de forma peremptória, que as desonerações de diversas atividades do setor de serviços não ocorreram à custa de um brutal aumento da carga tributária de contribuintes sujeitos aos mesmos encadeamentos econômicos na prestação de serviços.

Entretanto, para o relator, mesmo diante do exposto, não é razoável, na atual conjuntura, declarar a inconstitucionalidade da legislação por imperfeições sistêmicas e retornar todo o processo para o regime cumulativo. Considerada a ausência de elementos que pudessem corroborar e evidenciar que o legislador, no momento da elaboração da lei, está em condições de identificar o estado de inconstitucionalidade, devido à complexidade da adoção gradual da sistemática não cumulativa para contribuições que incidem sobre a receita ou o faturamento, com adaptações das técnicas conhecidas e já utilizadas no direito brasileiro para impostos incidentes sobre o valor agregado (ICMS/IPI); considerada, também, a dificuldade de se precisar o momento exato em que teria sido implementada a conversão do estado de constitucional ou inconstitucionalidade em uma situação de invalidade, seria razoável adotar, para o caso concreto, a técnica de controle de constitucionalidade consistente em “apelo ao legislador por falta de evidência de ofensa constitucional”.

Assim, embora a Lei 10.637/2002, em seu estágio atual, não satisfaça a justiça e a neutralidade desejadas pelo legislador, é inegável a grande relevância da sistemática legal da não cumulatividade na prevenção dos desequilíbrios da concorrência (CF, art. 146-A) e na modernização do sistema tributário brasileiro. Portanto, é plausível manter, no momento, a validade do art. 8º da Lei 10.637/2002, bem como do art. 15, V, da Lei 10.833/2003, no que tange à aplicação das normas atinentes à sistemática não cumulativa da Cofins à contribuição ao PIS, devido à “falta de evidência” de uma conduta censurável do legislador.

Por fim, o relator reputou necessário advertir o legislador no sentido de que as Leis 10.637/2002 e 10.833/2004, inicialmente constitucionais, estão num processo de inconstitucionalização, decorrente, em linhas gerais, da ausência de coerência e critérios racionais e razoáveis das alterações legislativas que se sucederam, no tocante à escolha das atividades e das receitas atinentes ao setor de prestação de serviços, que se submeteriam ao regime cumulativo da Lei 9.718/1998 (em contraposição àquelas que se manteriam na não cumulatividade).

Após o voto dos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que acompanharam o relator, o ministro Marco Aurélio pediu vista dos autos.



Imunidade tributária e contribuinte de fato
A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante, para a verificação da existência do beneplácito constitucional, a repercussão econômica do tributo envolvido.

Com base nessa orientação, o Tribunal deu provimento a recurso extraordinário no qual se pretendia a não aplicação da imunidade tributária constante do art. 150, VI, “c”, da CF relativamente ao ICMS incidente na aquisição de insumos, medicamentos e serviços adquiridos por entidade de assistência social na qualidade de consumidora (contribuinte de fato).

Na espécie, o Tribunal de origem afastou a exigência do recolhimento do ICMS nas operações de aquisição, por entidade de assistência social (na qualidade de consumidor final), de medicamentos, máquinas e equipamentos necessários à execução de suas finalidades filantrópicas, ante a configuração da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF.

Para o recorrente, a aquisição de insumos e produtos no mercado interno na qualidade de contribuinte de fato não estaria albergada pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI e § 4º, da CF. Sustentava, ainda, que a relevância das atividades prestadas pelas entidades de assistência social não poderia conferir aos fornecedores particulares, não abrangidos pela regra imunizante, a não incidência do ICMS na venda de mercadorias e serviços.

O Colegiado rememorou que prevalece no STF o entendimento de que a imunidade tributária subjetiva se aplica a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não àqueles na condição de simples contribuinte de fato, bem como de que é irrelevante, para a verificação da incidência ou não da imunidade constitucional, a discussão acerca da repercussão econômica do tributo envolvido.

Ressaltou, também, que a jurisprudência do STF vem se posicionando pela impossibilidade de se estender ao particular vendedor (contribuinte de direito) a imunidade tributária subjetiva que detém o adquirente de mercadoria (contribuinte de fato).

Assim, o beneficiário da imunidade tributária subjetiva na posição de simples contribuinte de fato, embora possa arcar com os ônus financeiros dos impostos envolvidos nas compras de mercadorias, caso tenham sido transladados pelo vendedor contribuinte de direito, desembolsa importe que juridicamente não se qualifica como tributo, mas sim preço, decorrente de uma relação contratual.

Destacou a impossibilidade de, no contexto do exercício das atividades econômicas, ter-se certeza da efetiva transferência do encargo financeiro dos tributos, em razão de o lucro não ser tabelado. Ademais, quanto à regra contida no art. 150, § 5º, da CF (“§ 5º A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”), asseverou não haver transformação dos contribuintes finais em contribuintes de direito dos impostos incidentes sobre mercadorias e serviços que repercutem economicamente, mas sim existir o reconhecimento de que “o consumidor ou usuário não é contribuinte, tanto assim que precisa ser informado a respeito dos tributos que oneram mercadorias e serviços”.

Pontuou, igualmente, que a temática da repercussão econômica tributária está na área de formação dos preços e que, apenas com substancioso estudo dos fatores e das circunstâncias (como condições de tempo, lugar e conjectura econômica), seria possível verificar, num juízo de relativa previsibilidade, a provável repercussão econômica do tributo. Ponderou, dessa forma, ser desaconselhável considerar a denominada repercussão econômica do tributo para verificar a existência ou não da imunidade tributária. Essa orientação, a propósito, alinha-se aos precedentes da Corte no sentido de ser a imunidade tributária subjetiva constante do art. 150, VI, “c”, da CF aplicável à hipótese de importação de mercadorias pelas entidades de assistência social para uso ou consumo próprio. Com efeito, essas entidades ostentam, nessa situação, a posição de contribuintes de direito, o que é suficiente para o reconhecimento da imunidade. O fato de também serem apontadas, costumeira e concomitantemente, como contribuintes de fato é irrelevante para a análise da controvérsia, portanto.

Asseverou, por fim, que a tese firmada não prejudica o entendimento adotado, em sede de recursos repetitivos, pelo STJ no julgamento do REsp 1.299.303/SC (DJE de 14.8.2012), no sentido de que o consumidor de energia elétrica tem legitimidade para propor ação declaratória com pedido de repetição de indébito a fim de afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICMS sobre demanda contratada e não utilizada. Essa situação, além de peculiar, está inserida no contexto da concessão de serviço público e tem regime jurídico próprio.


Entidades beneficentes de assistência social e imunidade - 8
Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário para declarar a inconstitucionalidade formal do art. 55 da Lei 8.212/1991, que dispõe sobre as exigências para a concessão de imunidade tributária às entidades beneficentes de assistência social (v. Informativos 749 e 844).

Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator). Ele explicou que as normas de imunidade tributária constantes da Constituição Federal (CF) objetivam proteger valores políticos, morais, culturais e sociais essenciais e não permitem que os entes tributem certas pessoas, bens, serviços ou situações ligadas a esses valores. Além disso, lembrou que o § 7º do art. 195 da CF traz dois requisitos para o gozo da imunidade: ser pessoa jurídica a desempenhar atividades beneficentes de assistência social e atender a parâmetros legais.

No que se refere à primeira condição, o ministro asseverou que o Supremo Tribunal Federal (STF) conferiria sentido mais amplo ao termo “assistência social” constante do art. 203 da CF, a concluir que, entre as formas de promover os objetivos revelados nos incisos desse preceito, estariam incluídos os serviços de saúde e educação.

Reputou que toda pessoa jurídica a prestar serviços sem fins lucrativos com caráter assistencial, em favor da coletividade e, em especial, dos hipossuficientes, atuaria em conjunto com o Poder Público na satisfação de direitos fundamentais sociais. Por isso, o constituinte assegurou a imunidade a essas pessoas em relação tanto aos impostos quanto às contribuições sociais, a partir da impossibilidade de tributar atividades típicas do Estado em favor da realização de direitos fundamentais no campo da assistência social.

O ministro ainda frisou que a definição do alcance formal e material do segundo requisito (observância de “exigências estabelecidas em lei”) deveria considerar o motivo da imunidade em discussão – a garantia de realização de direitos fundamentais sociais.

Sinalizou que, por se tratar de limitação ao poder de tributar, as “exigências legais” ao exercício das imunidades seriam sempre “normas de regulação” às quais o constituinte originário teria feito referência no inciso II do art. 146 da CF, a serem dispostas em lei complementar.

Assinalou que, para disciplinar as condições mencionadas no § 7º do art. 195 da CF, dever-se-ia observar a reserva absoluta de lei complementar, sob pena de negar-se que a imunidade discutida fosse uma limitação ao poder de tributar. Ponderou caber à lei ordinária apenas prever requisitos que não extrapolem os estabelecidos no Código Tributário Nacional (CTN) ou em lei complementar superveniente. Seria, portanto, vedado criar obstáculos novos, adicionais aos já dispostos em ato complementar.

Pontuou que, sob o pretexto de disciplinar aspectos das entidades pretendentes à imunidade, o legislador ordinário teria restringido o alcance subjetivo da regra constitucional, a impor condições formais reveladoras de autênticos limites à imunidade.

Entendeu que, no caso, teria ocorrido regulação do direito sem que estivesse autorizado pelo art. 146, II, da CF. O art. 55 da Lei 8.212/1991 previra requisitos para o exercício da imunidade tributária contida no § 7º do art. 195 da CF, a revelar condições prévias ao aludido direito. Assim, deveria ser reconhecida a inconstitucionalidade formal desse dispositivo no que ultrapassasse o definido no art. 14 do CTN, por afronta ao art. 146, II, da CF.

Considerou que os requisitos legais exigidos na parte final do mencionado § 7º, enquanto não editada nova lei complementar sobre a matéria, seriam somente aqueles do art. 14 do CTN.

Concluiu por assegurar o direito à imunidade de que trata o art. 195, § 7º, da CF – haja vista que reconhecido pelo magistrado sentenciante que a entidade preenchera os requisitos exigidos no CTN – e, por consequência, desconstituir o crédito tributário inscrito em dívida ativa, com a extinção da respectiva execução fiscal.

Por fim, o relator aditou o voto para esclarecer que não haveria fundamento autônomo no aresto impugnado a ensejar o desprovimento do recurso, porquanto o tribunal de origem teria decidido com base na aplicação do art. 55 da Lei 8.212/1991.

Vencidos os ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que negavam provimento ao recurso. Aduziam que o acórdão recorrido se assentou não apenas na questão da reserva de lei complementar como veículo adequado à definição do modo beneficente de prestar assistência social, mas também na circunstância de a demandante não ter preenchido uma das exigências validamente previstas pela Lei 8.212/1991, a de obtenção de título de utilidade pública federal.

O ministro Ricardo Lewandowski reajustou o voto para acompanhar o relator.




1ª Turma

Redução da base de cálculo do ICMS e estorno de créditos
A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, deu provimento a agravo regimental em que se pretendia o estorno total dos créditos do ICMS gerados na entrada de insumos tributados, na hipótese de o contribuinte exercer a opção pela tributação com redução da base de cálculo na saída das mercadorias.

No caso, norma estadual instituiu regime tributário opcional a empresas transportadoras contribuintes do ICMS. Com isso, ficava facultada ao contribuinte a manutenção do regime normal de crédito e débito do imposto ou a apuração do débito com o benefício da redução da base de cálculo, vedada, nesta hipótese, a utilização de quaisquer créditos relativos a entradas tributadas.

O Colegiado entendeu que, havendo a opção pelo regime ordinário ou por regime mais favorável de tributação e estabelecendo a lei um regramento específico para o regime mais favorável, a adesão a ele não gera o direito ao creditamento se a lei o excluir. Assim, o contribuinte deve optar por um dos regimes.

Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que negava provimento ao recurso por entender que a legislação em debate violaria o princípio da não cumulatividade, pois deveria resguardar o aproveitamento dos créditos na proporção da redução da base de cálculo.

Fonte: STF

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.